quarta-feira, maio 28, 2008

Cinco países disputam o Ártico


Os Estados limítrofes negociam a divisão do Pólo,
rico em petróleo e vital para as comunicações

C. GALINDO / AGENCIAS – El País - 28/05/2008

Tradução Antonio de Freitas

Cinco países iniciaram dia 27 de maio entendimentos para repartirem entre si o Ártico, uma das últimas zonas da Terra que ainda não tem como dono nenhum Estado e que se calcula que alberga sob o gelo a quarta parte das reservas mundiais de petróleo. Dinamarca, anfitriã do encontro, deseja que os Estados Unidos, Noruega, Canadá e a Rússia acatem as regras do jogo estabelecidas pelas Nações Unidas em 1982, para levar a cabo um eventual reparto. "Esta reunião é o principio de um processo que pode durar anos", afirma numa entrevista telefônica Lars Kullerud, presidente da Universidade do Ártico, uma rede internacional de universidades com sede nessa região.

Está em jogo 1,2 milhão de quilômetros quadrados de fundo marinho que ficou atraente para alguns graças à mudança climática. O degelo facilita um maior acesso às bolsas de hidrocarbonetos e abre novas rotas marítimas, que permitem uma economia de até 8.600 quilômetros numa viagem entre Tóquio e Hamburgo. Os cinco países limítrofes querem assegurar, o quanto antes, uma parte do bolo e seus ministros apresentarão suas demandas durante a reunião de três dias que começou no dia 27 de maio em Ilulissat, uma pequena cidade da Groenlândia que tem o maior glaciar do mundo.

As bases para um acordo estão sentadas. "Trata-se de um passo importante, porque as partes sentam na mesma mesa para reconhecer que existe um desacordo, para cooperar em alguns âmbitos e, quiçá, começar a encontrar uma solução para o problema da soberania", diz Pablo Pareja, Professor de Relações Internacionais da Universidade Pompeu Fabra, Espanha, e autor de um estudo sobre o Ártico. "O Ártico é um espaço ainda não dominado. Tradicionalmente foi considerado alto mar", completa.

A região ártica, na qual vivem sobre uma enorme casca de gelo entre dois e quatro milhões de pessoas, se converteu nos últimos anos em objeto de disputa. O Direito Internacional, plasmado na Convenção sobre o Direito do Mar das Nações Unidas, estabelece que os países com saída ao mar tem direito a estender sua zona de soberania em até 200 milhas náuticas (370 quilômetros) desde a costa. Porém, este limite pode se ampliado, caso um país demonstre que sua plataforma continental, que é o leito marinho anexo ao continente, vai além dessa distância.

Esta exceção abriu as portas para reclamações. Para provar que suas demandas estão fundamentadas, vários países organizaram expedições cartográficas para reivindicar o maior território possível. O momento mais tenso aconteceu no ano passado, quando uma equipe russa, num submarino, plantou uma bandeira do país no fundo marinho.

A resolução do conflito pode durar anos, entre 10 e 15, segundo o governo dinamarquês. Os Estados Unidos ainda não ratificaram o tratado da ONU (firmado em 1982 e em vigor desde 1994) e, até que não o façam, o litigio não se encerrará. "Uma vez adotado o tratado, há um prazo de 10 anos para propor reivindicações e, ainda que Washington o assine em breve, como parece provável, ainda terá essa década para protestar", explica Lars Kullerud.

"Todo o mundo está esperando pelos Estados Unidos", conclui o presidente da Universidade do Ártico. Um dos objetivos da reunião de Ilulissat é que todos se comprometam a respeitar dito tratado.

Num mundo que explora ao máximo seus recursos naturais, o Ártico é uma das poucas zonas que permanecem virgens. Uns 25% das reservas desconhecidas de petróleo e gás estão sob estas águas. Escavar para chegar até o petróleo não esteve, até agora, ao alcance das petroleiras, porém a mudança climática tornou mais fina a capa de gelo, enquanto a tecnologia melhorou muito. A operação pode ser, neste momento, muito cara, porém com o barril do brent a 130 dólares extrair petróleo do Ártico pode resultar rentável.

O ouro negro não é a única vantagem de ser proprietário de uma porção desta zona. "Com o degelo se pode abrir uma via de navegação permanente pelo norte e ter acesso a uma via como esta é chave para países como os Estados Unidos, que agora tem que chegar ao outro lado do mundo através do estreito de Malaka (na Ásia), o cabo de Agulhas (na África do Sul) e o cabo de Hornos (na América Latina)".

Há duas passagens, a do nordeste (não navegável), e a do noroeste, que se abriu durante uns meses pela primeira vez em 2007. Os pesquisadores calculam que os barcos poderão utilizar esta última passagem durante todo o ano a partir de 2050, graças à mudanças climática.

As ONGs pediram que os países limítrofes cheguem a um acordo que dê garantias ambientais ao Ártico, uma proposta com a qual coincidem alguns países que estão fora da disputa, como França e Espanha.

Comercio e riqueza

Reservas de petróleo - Uns 25% das reservas de petróleo e gás natural por descobrir estão no Ártico. Rotas comercias - A passagem do Nordeste não é navegável, enquanto que a passagem do noroeste já está aberta vários meses ao ano, e se prevê que a partir de 2050 esteja em funcionamento durante todo o ano. Através da passagem do noroeste, entre Tóquio e Nova York há 14.000 quilômetros; se o recorrido passa pelo canal do Panamá, são 18.200. População – No Ártico vivem entre dois e quatro milhões de pessoas, repartidas entre Canadá, Dinamarca, Noruega, Rússia e os EUA, incluídos mais de 20 grupos indígenas.

segunda-feira, maio 19, 2008

A princesa das marés


Quando a vida parecia ter desaparecido e Deus tinha virado a cara pra mim, eu encontrei alguém. Era setembro e a greve na faculdade de Direito parecia algo muito distante de acabar e eu andava muito triste. Tão triste que até fui à casa de um velho amigo do colégio. Era um domingo, creio, dia de ficar naturalmente triste, mas arrisquei sair de casa naquela manhã e me deparar com pessoas bebericando ao redor da piscina e uma banda improvisada que tentava tocar alguma coisa da Legião Urbana.

O destino é realmente algo engraçado, pois naquele mesmo dia encontrei a menina que iria me acompanhar por muito tempo, às vezes ao meu lado, mas sempre dentro de mim.

Ainda me lembro quem nos apresentou e o que falamos, e o que pensei sobre ela. Mas, principalmente, me lembro que senti algo estranho. Depois de tanto tempo, lembro que minha tristeza não desapareceu de pronto, mas senti que deus continuava comigo, de alguma forma ele seguia me dando uma chance.

Em outubro, as aulas recomeçaram e a costumeira sensação de estar perdido também. Alguma coisas em mim buscava por aquela menina, que tinha me dito que estudava ali, mas eu não a encontrava. Anos mais tarde, ela me confessou que me via sempre e tentava que a visse, mas era em vão.

O certo é que nos encontramos. Era entardecer e ela estava sentada tomando uma água de côco. Nunca esqueci o reflexo do sol naqueles cabelos dourados. O tempo que durou esta visão deve ter sido de apenas alguns segundos, mas para mim pareceu uma eternidade. Até hoje não sei onde arranjei coragem para ir falar-lhe. Haveria uma festinha na quinta-feira e combinamos ir. Naquela quinta-feira, disse pro amigo de plantão que tinha conhecido alguém muito especial e que lhe apresentaria naquela noite.

Rodei a festa inteira e nada. Ela não estava. Parei, comprei uma cerveja e estava falando qualquer coisa com uma amiga quando meus olhos encontraram outros olhos. Eram dois enormes olhos verdes. Ela estava ali, na minha frente, com o sorriso mais lindo do mundo e, eu juro, tudo parou. Havia uma banda tocando, mas por mais que’u tente não consigo lembrar o quê. abraçá-la e beijá-la foi inevitável, sem antes tentar inventar qualquer coisa para não dar na cara que’u a buscava desesperadamente. Naquela mesma noite meu melhor amido de então a conheceu e, depois que ela se foi, não sem antes trocarmos números de telefone, bebemos todas pra comemorar. Eu finalmente estava apaixonado.

Bem, foi um tempo maravilhoso. Pela primeira vez eu estava apaixonado por alguém que me amava muito. Como o tempo passa rápido quando se é feliz. Depois veio minha formatura, e ela estava ali, do meu lado, em todas as fotos. Meu primeiro escritório, o trabalho, os sonhos e decepções da vida adulta. E ela ali, ao meu lado, sendo o descanso do guerreiro, o abrigo do peregrino, a mulher do homem, a mãe do menino.

Não sei quando comecei a pensar que não estava pronto para ela. Que precisava resolver coisas antigas antes de voltar pra casa, e disse adeus, quando tudo o que’u buscava estava na minha frente e sempre ao meu lado, perfeita nos meus braços. Os filhos que não tivemos choraram sozinhos, escondidos entre brumas de nada ser e saudade.

E andei demais. Voltei ao passado e à antiga ferida que sangrava meu coração. Caminhei a noite toda na chuva, feri algumas pessoas e me feri profundamente. Mas ela sempre estava dentro de mim, debaixo da minha pele. Tentei esquecer a menina, tentei viver com outras, consegui apenas me esquecer.

Do destino ninguém foge, nem se esquece facilmente da felicidade, esta pedra preciosa que buscamos de olhos vendados. Então busquei de novo por aquela menina que’u uma vez fiz sofrer, pelo cheiro que não saia de mim. E encontrei braços abertos, sentimentos e uma alegria em meu coração, somente comparada à emoção de voltar para casa. E mais uma vez fizemos planos, plantamos sonhos, e nos amamos como almas que se precisam muito, muito e muito.

Mas o tempo tinha passado, e com o tempo não se pode contar sempre, as distâncias também já eram muitas e no fundo, sabíamos perfeitamente disto. Lembro a última vez que nos vimos, dos olhos lindos e molhados de adeus, o aeroporto triste, a incerteza de tudo, teu cheiro, o peso do meu coração.

Ainda não sei como, mas cruzei o Atlântico e vim parar aqui, mais distante ainda da menina. Talvez tentando me achar, eu tenha perdido de vez a última oportunidade de ser feliz. No próximo dia 30 de abril, a menina fará uma cirurgia. Estará sozinha, numa cidade que não é a sua e não quer preocupar sua mãe. É claro que’e sei para onde meu coração e minhas orações estarão voltadas, mas será que Deus me perdoará?

PS1: A cirurgia foi um sucesso e ela já está em casa. Creio, firmemente, que Deus me perdoou. Mas será que ela também?

PS2: Esta história ainda não acabou.

* Escrito na cidade de Valencia, Espanha, na primavera, 25 de abril de 1999.

sábado, maio 10, 2008

A globalização é a idade de ouro da máfia


"A globalização é a idade de ouro da máfia"

GUILLERMO ALTARES - El País - 06/04/2008
Tradução de Antonio de Freitas Jr.


Diversificado e adaptado aos novos tempos, o crime organizado vive momentos de gloria. Assim conta este jornalista, que pesquisou seus tentáculos durante anos.

Depois de dedicar-se durante quase vinte anos a percorrer o leste europeu e os Bálcãs como jornalista da BBC, as transformações na paisagem que lhe rodeia obrigaram a Misha Glenny a mudar de especialidade: das revoluções políticas passou a investigar outro tipo de movimentos telúricos, mais profundos e perigosos: o poder crescente das máfias. Porém, seu novo trabalho lhe levou por cenários muitos distintos e insuspeitados: desde a fronteira noroeste de Estados Unidos, inundada de cânhamo, até cabanas da Nigéria onde se planejam e executam golpes pela Internet que nem o David Mamet do filme “House of Games” (1987) seria capaz de imaginar.
Glenny, um britânico de 49 anos de origem russa, recolheu estes anos de investigação em “McMáfia”, um livro de 500 páginas que apareceu ao mesmo tempo em numerosos idiomas este mês de abril. É uma viagem ao reverso tenebroso da globalização, aos cantos escuros de um mundo em cujos corredores abertos se move, cada vez com maior agilidade, a gigantesca hidra do crime organizado. Os protagonistas de “McMáfia” já não são apenas os tipos da ‘coppola’ (o tradicional boné siciliana) que controlam bilhões de euros em armas e drogas desde a cadeira de palha de uma choça, nem os mal-encarados búlgaros que levam colares de ouro que serviriam para sustentar a âncora de um transatlântico: são personagens muito mais sofisticados e hábeis que sabem aproveitar os pontos fracos do sistema em que vivem. E num mundo global, isso quer dizer todo o planeta. A entrevista tem lugar em Bruxelas, onde Misha Glenny acudiu para participar num congresso internacional como especialista em crime organizado.

P - Seu livro acaba dizendo que estamos na idade de ouro da máfia. Não acreditas que é uma afirmação demasiado pessimista? Porque parece que a máfia sempre viveu numa permanente idade dourada...
R
- A extensão do que chamo de ‘economia na sombra’, na qual as organizações criminais de todo o mundo têm um papel essencial, é muito maior que antes, sobretudo depois da queda do comunismo e como conseqüência da globalização, que é idade de ouro da máfia. Ainda que o capital flua de uma forma espetacular, seguem existindo freis importantes, como a Política Agrícola Comum, que oferecem oportunidades para que o crime organizado consiga fabulosos lucros. Isso coincide, ademais, com a queda do comunismo e com uma gigantesca transição que não somente afetou ao leste europeu e a Ásia central, senão a lugares como África do Sul. E também está a emergência da China. Nem sempre é possível satisfazer as aspirações materiais das pessoas, sobretudo nos países em vias de desenvolvimento, através dos métodos que legalmente permitem a globalização. Um exemplo: Albânia se destruiu ao mesmo tempo em que se destruíram os mercados do leste europeu que tinham algumas exportações cruciais, como os cítricos. Tratou então de vender suas laranjas e limões à Europa ocidental, porém não pode porque a Política Comum protege os cultivadores de Portugal, Espanha, Itália e Grécia. Não conseguiu competir com estes subsídios. Que ocorreu? Que muitos destes campesinos destruíram seus cultivos de cítricos e plantaram ‘cannabis’ em seu lugar, e a vendem em quantidades industriais. E estes exemplos se multiplicam em todo o mundo. Enquanto se produziu a transição, o crime organizado trabalhou rápido e com inteligência e desenvolveu um sistema global, que representa uma economia alternativa.

P - Um dos aspectos mais terríveis de seu livro é que, quando se fala de máfia, espera-se encontrar com Nápoles, Palermo, talvez Sofía ou inclusive Moscou, porém não com lugares como Vancouver, Nigéria, África do Sul, Israel ou Bombaim. Tanto mudou o panorama?
R
- Israel é um exemplo fascinante disto. Quando você vai ali, a única coisa da qual as pessoas querem falar é do conflito com os palestinos. Quando expliquei que queria investigar o crime organizado, as pessoas me perguntavam: por quê? É uma sociedade que nos últimos dez ou doze anos sofreu uma liberalização dramática, e algo tinha que estar ocorrendo. Porém, quando fui ver à responsável pela luta contra o crime organizado, ela foi muito franca: Israel gasta muitíssimo dinheiro com segurança, porém tudo se dedica ao assunto palestino. E o que ocorre com o crime organizado é que tem uma capacidade enorme para detectar os lugares nos que se produzem as melhores oportunidades. Nos anos noventa, em Israel se produziu uma imigração enorme de judeus russos, 15% da população, que fala outra língua, com valores culturais muito diferentes e com um sentido da identidade muito superior ao dos outros imigrantes que criaram esse país. Isto produziu muitas mudanças e trouxe novos hábitos de consumo, entre outros um fluxo muito importante de narcóticos. E também o tráfico de mulheres, que é uma indústria horrível, porém enorme.

P – Porém, isso não é novo. O grande jornalista francês de princípios do século passado Albert Londres relatou num de seus livros mais conhecidos, “El camino de Buenos Aires”, a trata de brancas da Polônia à Argentina.
R
– Porém está expandindo cada vez mais. Por exemplo, se você olha para Londres. No Reino Unido existe essa legislação peculiar que faz com que a prostituição como tal não seja ilegal, mas sim os anúncios, como tratar de captar clientes. A prostituição esteve restrita durante longo tempo às mulheres britânicas que operavam em lugares muito definidos e não era um grande problema. Mas a princípios dos noventa começaram a aparecer anúncios com postais nas cabines, e, de repente, estavam em todas as partes, em todas as pequenas cidades. Foi uma invasão enorme que se produziu em todo o mundo. O uso de prostitutas por parte dos homens em todos os países ocidentais se incrementou de forma dramática. Quando era estudante na universidade não podia imaginar que nenhum de nós saísse com prostitutas. E agora há muitíssimos jovens que vão de fim-de-semana só para homens a um país báltico, e no pacote está incluído a visita a um bordel. É um fenômeno que está fora de controle.

P – Nós como consumidores podemos fazer algo para lutar contra o crime organizado, como o que conseguiu a campanha contra os diamantes de sangue?
R
– Sem dúvida, e isto está mudando graças ao trabalho de organizações tanto governamentais como não governamentais. O papel de Global Witness foi fundamental na luta contra os diamantes de sangue: é una pequena ONG, com sede em Londres, cujos representantes foram a Angola e disseram que estavam fazendo uma pesquisa para um documentário. Demonstraram os laços entre a guerrilha da UNITA e os diamantes numa investigação realmente perigosa. Porém sabiam que se conseguissem que nos Estados Unidos uns poucos senadores ou congressistas se interessassem pelo tema poderiam conseguir muita publicidade. Isso se converteu nos Protocolos de Kimberly, contra os diamantes de sangue. Incluí esta historia no livro para demonstrar que temos poder para fazer coisas: identificar a natureza precisa dos problemas que afetam à ‘economia na sombra’ e identificar o lugar onde as economias lícitas e ilícitas se encontram. Demasiadas vezes no Ocidente, os Governos definem o crime organizado como um corpo alheio, exterior: os bárbaros às portas, que estão esperando para destruir nossa civilização e infectar-nos com sua maldade. E não é assim.

P – Sem embargo, é certo que, num mundo globalizado, as máfias do leste europeu, sobretudo búlgaras e kosovares, ficaram muito poderosas, por exemplo, na Espanha?
R
- Esta idéia de que, se mantém a um país fora da União Européia, suas redes de crime organizado não podem entrar, é falsa. Se você pertence ao crime organizado, sempre podes cruzar uma fronteira; são as pessoas normais, os encanadores, os garçons, os que são discriminados se caso se mantenham fechadas as fronteiras. Com a queda do comunismo e o aumento da imigração, isto se converteu num claro problema. Porém, não esqueçamos que a Espanha foi um lugar de assentamento para as máfias, sobretudo por uma determinada indústria: a cocaína. Este desembarque também foi propiciado por uma das operações mais claras da máfia: a chantagem em troca de proteção, que cresce ao abrigo da construção.

P – Na Bulgária ou Romênia há muitos policiais espanhóis, britânicos ou alemães que trabalham sobre o terreno, e sua teoria é que, desde dentro da União Européia, é muito mais fácil lutar contra a criminalidade organizada. Você está de acordo?
R
– Tem toda a razão. As pessoas que na UE querem manter a estes países fora dão um presente espetacular ao crime organizado. Temos que fazer que estes países entrem o antes possível. A paralisação é também um caldo de cultivo terrível para o crime organizado, porque dispõe de recursos humanos gigantescos para recrutar.

P – É esse o motivo pelo qual Kosovo, que conta com 50% de desemprego, é considerada por alguns como uma pequena Colômbia na Europa?
R
– Não é uma Colômbia porque não produz cocaína, porém é um grande ponto de distribuição de heroína e de trata de brancas na Europa. Também é um exemplo de manual de como um lugar de atuação tradicional das máfias se expande à causa de um conflito. Há uma cidade no sul da Sérvia, de maioria albanesa, que é o centro de distribuição de heroína que vem da Bulgária, onde é introduzida por máfias turcas. E ali é vendida tanto a grupos albaneses como sérvios. Uma rota passa por Kosovo, Macedônia e entra na União Européia através da Itália, e outros carregamentos vão até o norte, através de Belgrado, logo Áustria e Alemanha. Desde 1999, com o protetorado das Nações Unidas, o PIB de Kosovo foi decaindo. Ademais, uma vez terminada a guerra, os países da União Européia devolveram a muitos albaneses que estavam refugiados, e isso reduziu o importe das remessas. A combinação de uma economia que decresce e de um desemprego galopante, mais as mulheres e a heroína, só pode converter a Kosovo num Estado mafioso. Trabalhou-se muito pouco num assunto essencial: como funciona este Estado. Agora mesmo há cinco autoridades ao mesmo tempo, e nenhuma sabe o que faz a outra. O único que funciona no meio destas situações caóticas é a máfia.

P - O juiz italiano Giovanni Falcone, antes de ser assassinado cerca de Palermo em 1992, escreveu que havia contraído uma dívida com a Máfia que só se pagaria com sua morte. Você conheceu, ao largo de suas investigações, a muita gente com esse tipo de dívida?
R
- Sim, muita gente. Um dos personagens mais extraordinários que conheci foi Walter Maierovitch, o magistrado brasileiro que trabalhou com Falcone, e que fundou em São Paulo um instituto dedicado ao juiz italiano que investiga o crime organizado. São pessoas com quem estabeleces laços muito profundos, e isso é o que me ocorreu com Maierovitch. Trabalhou com Falcone no caso Buscetta [um mafioso que nos anos oitenta rompeu com a lei do silêncio e se converteu num mafioso arrependido], um momento chave na luta contra a Máfia. Era fascinante falar com ele sobre Falcone e sua determinação. Todos os que se dedicam a isto são plenamente conscientes de que estão arriscando a vida, de que podem ser assassinados em qualquer momento; porém tomaram a decisão moral de que tem que seguir adiante. Também quis falar com os próprios mafiosos, e consegui em algumas áreas. E não sempre representam o mal absoluto, porque proporcionam empregos em zonas onde ninguém mais está presente e dão serviços à comunidade. E acredito que estão fazendo um bom trabalho.

P - É sua teoria do bom gângster?
R
- Sim, são pessoas que em tempos de mudanças revolucionarias provêem empregos e conseguem que os serviços funcionem. Ainda que esteja integrada por tipos bastante sinistros, a máfia russa entrou, em suas origens, nesta categoria. Foram as pessoas que manejaram a transição ao capitalismo, porque o Estado era simplesmente incapaz de fazê-lo. E isto ocorreu em muitos outros lugares do leste europeu. A ausência do Estado permitiu na Rússia o roubo massivo dos imensos recursos naturais do país. O problema que se produz quando a máfia se converte em reguladora do mercado é que não há nenhum tipo de responsabilidade democrática, nem de transparência. O dinheiro fica na parte alta da organização, ainda que há gente que lhes respeita porque conseguem emprego.

P - Sempre se disse que a principal diferença entre a Máfia e a Camorra é que a organização siciliana, ao ter uma cúpula estruturada, é muito mais discreta nos últimos anos que a organização napolitana, que vive no meio do caos com famílias enfrentadas. As coisas são muito mais perigosas quando não há um chefe claro?
R
- O que ocorreu a principio dos noventa é que se produziu uma mudança na forma em que o crime organizado se entendia a si mesmo e seus negócios. As estruturas tradicionais da máfia de Nova York e da Sicilia eram antigas e muito pouco eficientes. O que as pessoas começaram a entender é que conceitos como a família ou a lealdade são valiosos até certo ponto, porém os interesses econômicos são mais importantes. Os Estados Unidos introduziram uma legislação nos anos setenta, ainda que não começasse a aplicá-la até os anos oitenta, que foi a arma mais eficaz contra o crime organizado: RICO. Por causa das estruturas familiares é muito mais fácil utilizar RICO porque é uma lei que permite processar a alguém só por pertencer a um grupo criminal, sem necessidade de haver cometido nenhum delito concreto. Outras estruturas mafiosas se mostraram muito mais descentralizadas, como a ‘Camorra’ ou a ‘Ndrangheta’. E é um fenômeno mais acentuado nas máfias colombianas ou russas, que estão preparadas para que lhes cortem a cabeça, para que o ‘capo’ seja detido, e que o corpo possa seguir funcionando. Quando o cartel de Cali foi descabeçado nos anos noventa não passou nada com o preço da coca em Nova York. Aplicar a lei é muito difícil porque as estruturas mafiosas aprenderam de suas debilidades do passado.

P - Qual foi o momento em que você passou mais medo investigando para o livro?
R
- Foi antes de ir a Colômbia, que era um país que não conhecia. Tanto em Bogotá, como no norte ou o sul, todo mundo que você conhece sofreu algum tipo de tragédia pessoal. Porém logo não ocorreu nada concreto. Ir a Odessa, na Ucrânia, para entrevistar a um gângster também foi bastante aterrador, e em geral na Rússia, onde o Estado está voltando com força. Sentes, como na época da URSS, que só eras um ser humano e que o Estado russo não pensa duas vezes se te interpões em seu caminho. Visitei também áreas com índices altíssimos de criminalidade; porém se tens cuidado, e se quando te encontras com gângsteres organizou bem e sempre eras claro, é relativamente seguro. Passei por situações muito mais perigosas durante as guerras na antiga Yugoslávia ou em Sarajevo, onde te disparavam e bombardeavam constantemente. O único lugar onde me senti totalmente seguro foi no Japão com os ‘yakuza’, porque sentes que todo está muito estruturado.

P - A impressão que se tira de seu livro é que a máfia é menos selvagem do que pensamos, que em geral só recorre ao assassinato como última instância. Isso é certo?
R
- Para tratar de entender o crime organizado há que analisar quais são seus negócios, no que estão metidos. Os ‘yakuza’ o entenderam perfeitamente porque para eles a guerra de princípios dos anos noventa foi um desastre: não só porque perderam seu pessoal, senão porque se arruinaram em muitos negócios. Nos ‘Sopranos’, o personagem Tony possui muita sabedoria sobre o crime organizado, e ele sempre compreende isto. Os tipos que lhe rodeiam ou a quadrilha do Brooklin, não; mas ele, sim: Evita meter-te numa guerra porque tua gente morrerá e é teu recurso mais importante. Se começas uma guerra, atrairás a atenção dos meios de comunicação e da policia, que se verá obrigada a atuar para parar a violência. Desde os noventa, os ‘yakuza’ sempre trataram de evitar a violência, mas sim projetaram uma imagem crível de que seriam capazes de utilizá-la. Tem que deixar claro que, se cruzas uma linha, te aniquilarão.

P - E que disse sua família quando lhes anunciou que, uma vez que as guerras balcânicas haviam terminado, ia a dedicar-se agora à máfia?
R
- A verdade é que não lhes fez muita graça... Não gostam que viaje tanto, mas sim que a eles lhes interessam os livros. Minha filha de 13 anos, que acabava de fazer um prometo sobre Afeganistão na escola, me pediu que não fosse, estava aterrorizada. Trato de tranqüilizar-lhes o máximo possível. Mas o livro, todavia, não foi publicado, não sei como reagirão as pessoas que aparecem nele.

P - A guerra contra os narcóticos em Afeganistão parece quase impossível de ganhar. Representaria a legalização das drogas um grande golpe para as máfias?
R
- Os talibãs vão ganhar essa guerra, tenho certeza. A guerra contra as drogas é o que chamo 'a roupa nova do imperador'. O imperador está nu, mas ninguém se atreve a dizê-lo, é uma luta que começou nos anos vinte ou, em sua forma moderna, com a presidência de Reagan. A guerra contra as drogas garante ao crime organizado uns recursos econômicos gigantescos em todo o mundo. Falei com vários grandes exportadores de cânhamo no Canadá e todos estavam contra a legalização porque vivem muito bem graças à proibição. Os criminosos estão totalmente de acordo com os tipos em Washington que querem manter as políticas atuais. No Afeganistão e na Colômbia significa os talibãs e a guerrilha das FARC, que não seriam capazes de manter-se sem a indústria do ópio e da cocaína. E estamos perdendo a guerra no Afeganistão por causa dessa inútil guerra contra a droga. Há que escolher: queremos vencer a Al Qaeda ou não? Se quisermos derrotar a essa organização, temos que redefinir a política sobre as drogas. Não significa uma legalização total imediata, se podem dar passos intermédios, mas a longo prazo é uma loucura. Quando falo com políticos sobre isto, o fascinante é que, em privado, te dizem que tem que dar este passo: e me refiro a policiais, políticos e altos funcionários com muita experiência. Todos confessam em privado que há que fazer algo, mas em público todo mundo tem demasiado medo para reconhecê-lo.
P - A guerra contra o terrorismo de Bush foi boa, mau ou indiferente na luta contra o crime organizado global?
R
- Em 1995, o presidente Bill Clinton discursou na ONU traçando uma equivalência entre a luta contra a máfia e contra o terrorismo. Foi ele quem cunhou a frase do ‘lado escuro da globalização’. Quando Bush chegou ao poder desmantelou as estruturas de luta contra a lavagem de dinheiro que Clinton havia organizado porque estava convencido de que causava dano à competitividade dos bancos estadunidenses. Essa é uma das chaves, porque se chegas a seu dinheiro é quando realmente lhes fazes dano. O crime organizado começou a fazer mais dinheiro que nunca. Depois do 11-S, os serviços de segurança dos Estados Unidos não sabiam onde encontrar o dinheiro precisamente porque essas estruturas haviam sido desmanteladas. A grande diferença não está nos métodos, senão em que organizações como Al Qaeda tem objetivos muito mais políticos, como acabar com a civilização ocidental, e o crime organizado não: querer o dinheiro, a diversão, as Ferrari, as coisas materiais.
P - Suponho que haverá grandes zonas de sombra nas que Al Qaeda e o crime organizado coincidem para financiar-se.
R
- Sim. Na tríplice fronteira entre Paraguai, Brasil e Argentina sabemos que Al Qaeda está presente, igual que no negocio dos diamantes de sangue. O que lhes conecta é a ‘economia na sombra’. Podes perseguir a Osama Bin Laden nas montanhas entre Paquistão e Afeganistão, mas enquanto não combatas seus meios de financiamento, não vais a acabar com Al Qaeda. Tens que ir às fontes do problema, que estão na ‘economia na sombra’ e não nessa estratégia ridícula de Bush e Blair, baseada em grandes meios militares preparados para invadir países.
P – Citou a ‘Sopranos’. Não acredita que seriados como este podem haver trivializado a imagem que temos da máfia?
R
- Em absoluto. Há dois seriados alucinantes que creio que retratam a máfia de forma totalmente realista: ‘Sopranos’ e ‘The Wire’. São retratos maravilhosos e fizeram mais para compreender o crime organizado que qualquer outra coisa, seja na televisão, nos livros, nas campanhas policiais. Esqueça de tudo: se queres entender quais são os motivos do crime organizado, sua forma de atuação, tem que ver estes seriados, porque te mostram como atuam, como buscam suas oportunidades de negocio e mostram os mafiosos como atores racionais.

sexta-feira, maio 02, 2008

A California volta a ser mexicana



Graças à empresa sueca Vin&Sprit (V&S), fabricante da vodka Absolut, a Califórnia voltou a fazer parte do território mexicano.

A empresa utilizou num anúncio da vodka Absolut um mapa que estendia os domínios mexicanos em território estadunidense até os limites anteriores à guerra entre ambos (1846-1848). A campanha publicitária despertou enorme polêmica nos Estados Unidos, onde muitos ameaçaram boicotar a bebida.

O mapa em questão, datado de 1830, mostra sob controle mexicano os estados do Texas, Califórnia, Arizona, Nevada, Utah, Novo México e partes do Colorado e do Wyoming. Tais territórios foram perdidos pelo México para os Estados Unidos com a assinatura do Tratado de Guadalupe Hidalgo que pôs fim àquele conflito bélico.

O anuncio da discórdia faz parte da campanha “In an Absolut World” (num mundo Absolut), no qual a companhia convida os consumidores de cada país a distintas visões de um mundo supostamente ideal.