terça-feira, setembro 15, 2009

A voz do anjo desdentado


A voz do anjo desdentado

Chega à Espanha o mítico filme de Bruce Weber sobre Chet Baker

ELSA FERNÁNDEZ-SANTOS - Madrid – El País - 15/09/2009

Tradução de Antonio de Freitas Jr.

Não era fácil seguir os passos de Chet Baker pelo mundo, ainda que o difícil, realmente, fosse não querer estar a seu lado. Trompetista desdentado com voz de anjo, ‘junkie’ errante amante dos carros caros e das belas mulheres, Chet Baker era um mito escorregadio. Perseguiam-lhe demasiadas lendas, algumas gloriosas, outras inomináveis. Em meados dos anos oitenta Bruce Weber –então já convertido num dos melhores fotógrafos de moda do mundo- foi retratar-lhe para incluí-lo numa exposição que preparava para o Whitney Museum. Aquela sessão se converteu numa viagem de mais de dois anos e num filme, ‘Let’s get lost’. Um dos documentários mais bonitos dos que se tem notícia, um genial retrato em preto e branco nascido da fascinação por um homem com o qual era demasiado fácil perder-se.

Weber apresentará amanhã na ‘La Casa Encendida’ de Madri aquele filme, que estreará pela primeira vez, 22 anos depois, nos cinemas espanhóis na sexta-feira. Ademais, uma exposição recuperará sua singular filmografia. "É inevitável, meus filmes nascem da fotografia, é uma limitação, mas também me permite uma liberdade estranha. Não me atenho às regras do cinema, em realidade não há regras, não são canções pop ou de rock & roll com principio e fim. São como o jazz, nunca se sabe aonde vai te levar", explica o fotógrafo em sua casa de Nova York.

Let’s get lost’ é em realidade o segundo filme de uma trilogia que começou com ‘Broken noses’ e que se encerrará com o documentário sobre Robert Mitchum, que mantêm inédito. "É sobre tipos duros, sobre homens como aqueles que conheci de criança na fazenda onde me criei. Levamos anos com o filme de Bob [Mitchum] mas nos ocorre o mesmo que com o de Chet. Ninguém se interessa. Demasiado dinheiro para um musical de Robert Mitchum!".

Weber recorda que o ator aceitou fazer o filme depois de ver ‘Let's get lost’ e depois de passar vários anos rondando a porta de Weber. "Era um tipo duro de verdade e um terrível pessimista, sempre de mau humor, tinha uma voz maravilhosa, porém ele se irritava quando o dizias. Recordava-me tanto àqueles homens velhos de minha família. Não havia nenhuma mulher que após lhe conhecer não quisesse saber mais sobre ele no dia seguinte. Gostava das mulheres e dos doces, e eu costumava passar por sua casa de Santa Bárbara a saudar-lhe com uma torta e acompanhado de Christy Turlington ou de outras modelos... E claro, assim foi-me tomando simpatia!"

Let’s get lost’ terminou em 1987, uns meses depois de que Chet Baker se precipitara desde uma janela de um hotel de Amsterdam. "Estávamos na sala de montagem quando nos chegou a noticia. Durante vários dias não pudemos voltar ao estúdio. Logo seguimos, sem falar, sem comentar o ocorrido, pensando na beleza que Chet nos havia presenteado. Não tínhamos idéia se o que havíamos feito era bom, mau ou regular, ninguém apostava um centavo por nós. Porém, seguimos adiante".

Para Weber a enorme capacidade de sedução de Chet Baker nascia de sua "inocência". "Não podias deixar-lhe passar, querias viver a seu lado". A estranha inocência de um homem que assegura que o dia mais feliz de sua vida foi quando comprou seu Alfa Romeo S.S e que o pior foi aquele no qual perdeu a golpes todos os dentes. "De todas suas historias, falsas ou reais, a de sua dentadura sempre foi a mais terrível e incômoda". Arrancaram-lhe uma a uma as peças de sua boca num ajuste de contas do qual nunca contou toda a verdade. Durante seis meses Baker foi incapaz de pegar o trompete e aquele incidente abriu a maior fissura em sua carreira musical. Três anos recolhido, até que Dizzie Gillispie voltou a lhe chamar para que atuasse em Nova York.

O Chet Baker de ‘Let's get lost’ já não é o jovem James Dean do jazz das fotografias de William Claxton, porém em todo o filme não há nada sórdido. "Costumam me perguntar onde está a beleza e eu nunca sei muito bem o quê responder. Eu sempre vejo a beleza a meu redor, talvez esse seja meu dom. Há anos Larry Clark, o diretor da maravilhosa ‘Kids’, me disse algo que nunca esquecerei, que ele nunca se permitia sorrir de alguém. Eu gostei dessa idéia e desde então a fiz minha. Não sei o que é a beleza, sei o que é o respeito".