sábado, maio 28, 2005

O medo de ser mais Europa




No domingo,
cada um de
vocês terá em suas mãos

parte do destino da França.
A decisão que temos em nossas mãos
vai além das divisões políticas tradicionais.
Não é nem sobre a direita
nem sobre a esquerda.
Não é uma questão de dizer

'sim' ou 'não' ao governo.
É uma questão sobre o seu futuro,
o de seus filhos,
o futuro da França,
o futuro da Europa.

Jacques Chirac,
na noite de 26 de maio,
fazendo um apelo na TV
em defesa da
Constituição européia.



A França votará o referendo sobre sua adesão à Constituição da União Européia neste domingo, dia 29 de maio. E de acordo com todos os prognósticos dirá “não” à Europa, por puro medo. O jornal Le Figaro, divulgou que 55% dos eleitores votarão pela rejeição do tratado constitucional, enquanto 45% estão pela sua aprovação.

A Espanha já aprovou a Constituição da União Européia. Alemanha aprovou-a semana passada. E tanto Zapatero quanto Schröder foram a França pedir pela aprovação da Carta Européia, participando de manifestações organizadas, em sua maioria, pelos socialistas, ainda que os comunistas, os dirigentes sindicais e simpatizantes do fascista Jean-Marie Le Pen, e de seu partido “Frente Nacional”, estejam pela rejeição do tratado constitucional.


O Presidente francês Jacques Chirac foi à televisão esta semana para defender a aprovação da Constituição Européia, reafirmando a defesa dos valores europeus na disputa contra os EUA e os países asiáticos, além de avisar que um voto negativo seria um golpe contra a União Européia, abrindo assim “um período de divisões, dúvidas, incertezas”. Chirac afirmou ainda que “é uma ilusão achar que a Europa recomeçaria melhor do que nunca com outro projeto, porque não há outro projeto”.
O medo dos franceses em aprovar a Constituição Européia está na possibilidade de entrada da Turquia no bloco - que poderia provocar outro referendo na França - e a perda do seu generoso sistema de benefícios sociais. De maneira que os franceses encaram o referendo como uma ocasião para demonstrarem a insatisfação contra o governo Chirac e sua reforma do sistema de aposentadoria, educação e seguridade social.

Até o Partido Socialista francês está dividido, pois enquanto o ex-primeiro ministro Lionel Jospin defende a aprovação, o numero dois do partido, o ex-ministro da Economia Laurent Fabius é um dos principais defensores da rejeição do tratado constitucional, alegando que o mesmo é demasiado liberal e provocará o “dumping social”. Assim, uma maior liberalização da economia francesa é entendida como a destruição de sua previdência social.
O principal argumento da esquerda pela rejeição da Carta Européia é o medo ao “encanador polonês”, expressão pela qual se denomina o temor do operariado francês de que a aprovação da Constituição Européia inundaria o país de trabalhadores do leste europeu, tirando o emprego dos franceses. O desemprego na França atinge a 10% da população ativa. O engraçado é que o Presidente Chirac convidou até o presidente da Polônia, Aleksander Kwasniewski, para participar da campanha pelo “oui” (“sim”, em francês) no referendo.

Outro medo francês, compartido também pelos holandeses, é com relação à entrada da Turquia no bloco europeu, por causa de sua população majoritariamente muçulmana. De acordo com as opiniões mais conservadoras, isso “destruiria a identidade cristã” da União Européia.
O referendo na França mobilizou todo o país e certamente terá uma ampla participação do eleitorado, ao contrário do referendo do ano 2000, sobre o mandato de cinco anos para o Presidente da República que teve uma abstenção de quase 70%. Vale ressaltar que o referendo de 1992, sobre o Tratado de Maastricht, foi aprovado por uma margem mínima, ou seja, por 51,04% do total dos votos.


A Constituição Européia para entrar em vigor necessita ser ratificada até novembro de 2006 por cada um dos 25 países membros, através de referendo ou votação dos Parlamentos nacionais. Atualmente, sete países já aprovaram o texto constitucional através de seus Parlamentos, entre eles a Grécia, a Itália e a Eslováquia. A Espanha foi o primeiro país a aprovar a Constituição pelo povo, em fevereiro, através de referendo. Na Alemanha, foi aprovada semana passada pelo Parlamento, através de suas duas casas, o Bundestag, Câmara dos Deputados, e o Bundesrat, o Senado.


A França é fundadora da União Européia e, ao lado da Alemanha, sua principal liderança. Por isso, um resultado negativo na França repercutirá em todo o bloco. Tony Blair já avisou que uma rejeição do tratado constitucional pela França inviabilizará o referendo britânico. Na quarta-feira, dia 1° de junho, será a vez da Holanda submeter a Carta da Europa à aprovação. Também ali, as pesquisas apontam para a rejeição do tratado constitucional.


A Constituição Européia guarda especial relação com a França, na medida em que Valéry Giscard d'Estaing, ex-presidente da França (1974/1981), foi Presidente da “Convenção sobre o Futuro de Europa”, instituição que dirigiu os debates sobre as reformas da União Européia para sua ampliação a 25 membros. Considerado o pai da Constituição da União Européia, Giscard d'Estaing foi um dos maiores entusiastas da União Monetária, que resultou na criação da moeda única, o Euro. A Constituição Européia é decorrência natural da reforma de suas instituições, principalmente para facilitar a tomada de decisões em um bloco que já conta com 25 membros, desde maio de 2004, com a entrada de 10 novos membros da Europa Central e Oriental.