A visita da Secretária de Estado dos EUA, Condoleezza Rice, ao Brasil já está rendendo dividendos à nossa relação com a Argentina. Causou profundo incômodo aos nossos “hermanos” a frase – diplomaticamente elogiosa - dita pela senhora Rice, de que o Brasil é uma potência regional a caminho de ser uma potencia mundial. A ciumeira portenha chegou ao absurdo do ministro das Relações Exteriores da Argentina, Rafael Bielsa, convocar experientes embaixadores argentinos, para discutir um endurecimento em relação ao Brasil, segundo noticiou o jornal argentino Clarín. Nesta reunião em Washington, denominada de "retiro intelectual", participaram: Juan Pablo Lohlé, embaixador em Brasília, ex-embaixador na OEA e em Madri; Hernán Patiño Mayer, embaixador em Montevidéu e ex-embaixador na OEA; Juan Carlos Olima, embaixador na ALADI e ex-vice Ministro de Relações Exteriores; Federico Mirré, embaixador em Londres; Roberto García Moritán, Aníbal Fernández e Eduardo Sgliglia, ex-Subsecretário para América Latina. Todos políticos peronistas, além de membros do corpo diplomático argentino.
Entretanto, há mais de um mês o Chanceler Rafael Bielsa escreveu uma carta pessoal ao Presidente Nestor Kirchner, na qual - longe de toda retórica - afirmou que a relação entre Brasil e Argentina, incluindo a que existe no seio do Mercosul, não podia e nem devia continuar como se encontra. Ato contínuo, é sabido que o Chanceler Rafael Bielsa possui, neste momento, três equipes – de diplomatas de carreira - no Ministério de Relações Exteriores argentino preparando uma nova política para as relações com o Brasil: a) o primeiro estuda tão somente a situação econômica bilateral, b) um segundo identifica as possíveis demandas argentinas ao Brasil, consideradas impostergáveis pelo governo Kirchner, e c) o terceiro analisa as conseqüências de um distanciamento do Brasil.
Nada pior do que querer ser o que já fomos, se é que já fomos muito. Argentina já foi um grande país antes do calote da dívida - que arruinou a sua economia -, com um grande peso político na geopolítica da América do Sul. Entretanto, apesar de continuar a possuir um orgulho enorme do seu passado, a verdade é que a Argentina já não é mais a mesma de outrora. E isso é difícil de ser assimilado e aceito por essa importante nação, parceira estratégica do Brasil no Mercosul.
A irritação argentina, na verdade, é contra a crescente hegemonia brasileira no continente sul-americano. O projeto brasileiro de liderança natural na região, por ter a maior economia, território e população, sempre molestou os desejos argentinos de supremacia regional. Por isso, não há nenhuma novidade na irritação argentina com os diplomáticos elogios ao Brasil da senhora Rice. Argentina sempre buscou uma maior aproximação com os EUA do que com o Brasil, mesmo na fase pós-criação do Mercosul e principalmente durante o governo do Presidente Menem.
Para a política externa brasileira, o início do processo de integração de todo o subcontinente americano foi dado com a criação da Comunidade Sul-Americana de Nações – CSN, na reunião de Cuzco, no Peru, em dezembro de 2004. Para ressaltar a discrepância argentina com o projeto de unidade sul-americana e de liderança do Brasil, o Presidente Nestor Kirchner sequer participou daquele encontro, que fora agendado com ex-Presidente Eduardo Duhalde. Mesmo assim, o presidente argentino foi convidado a participar da Cúpula América do Sul e Países Árabes - CASPA, que reunirá representantes de mais de 33 nações, durante os dias 10 e 11 de maio, em Brasília.
A gota d’água do mal estar argentino foi a atuação brasileira na crise recente do Equador, através da Comunidade Sul-Americana de Nações – CSN, e não pela Organização dos Estados Americanos – OEA, que se encontrava, naquele momento, sem presidente. Vale recordar que o Chanceler Celso Amorin convidou o governo argentino para participar da gestão do problema equatoriano, sem encontrar resposta de Buenos Aires. O governo argentino entendeu como uma demonstração de prepotência brasileira o asilo político dado ao ex-presidente equatoriano deposto.
Como se não bastasse, a balança do comércio bilateral vem pendendo nos últimos tempos para o lado brasileiro. Argentina vem sofrendo déficits comerciais com o Brasil, o que implica em maiores pressões do setor industrial daquele país. Segundo dados do Jornal do Brasil, em abril, as exportações brasileiras à Argentina alcançaram um total de US$ 764 milhões, uma alta de 49,8%, ao passo que as compras de produtos argentinos totalizaram em abril US$ 514 milhões.
O diálogo entre os dois países mais importantes do cone sul-americano deve ser reaberto imediatamente, pois não existe Brasil líder da região sem uma Argentina parceira e cooperante. A aliança estabelecida desde a criação do Mercosul, com a assinatura do Tratado de Assunção em 26 de março de 1991, foi a única demonstração plausível de integração na América Latina, e esse mérito pertence a Brasil e Argentina. Nenhuma outra forma de integração Latino-americana, em qualquer tempo da história, foi capaz de chegar ao patamar de entendimento conjunto alcançado pelo Mercosul. E tanto é verdade que além dos quatro países iniciais – Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai – alguns países já se associaram ao bloco, como Bolívia e Chile, e outros já solicitaram sua participação, como por exemplo Venezuela e México.
Com relação à entrada do México como sócio de pleno direito no Mercosul, vale lembrar que o ex-Presidente mexicano Carlos Salinas de Gortari, por mais de duas vezes, ofereceu seus país a Carlos Menem, como contrapeso político ao Brasil dentro do bloco sulista. Por outro lado, como questiona inteligentemente o jornalista argentino Oscar Raúl Cardoso, quem pode afirmar que o México não viria como cavalo de Tróia com a ALCA por dentro?
Enfim, Argentina espera receber algo em troca da hegemonia brasileira na região. Isto está claro. O problema, agora, é saber se o Brasil está disposto a dar algo a Argentina, em troca de uma aliança estratégica que nunca nos respaldou nos nossos objetivos mais ambiciosos e que vão além da geografia sul-americana, ou seja, ser líder dos países em desenvolvimento na OMC e ter assento permanente no Conselho de Segurança da ONU.
Ser líder implica assumir responsabilidades para com os liderados. Os argentinos deveriam reconhecer que sempre intercedemos por eles junto ao FMI e jamais aceitamos a soberania britânica sobre as Malvinas, como já demonstramos muito recentemente com o nosso mal-estar ao verificarmos a presença das ilhas no mapa da União Européia. Melhor que buscar por Washington sempre que ocorre um melindre com Brasília, seria Buenos Aires se entender definitivamente com Brasília. Ao final, o Brasil necessita da Argentina para assumir “seu destino manifesto” de potencia regional hegemônica na América do Sul.
Por fim, os jornais argentinos destacaram o fato engraçado de que o ex-Presidente Eduardo Duhalde, representante argentino no Mercosul, recentemente presenteou o Chanceler Bielsa com um livro do ex-embaixador brasileiro na Argentina, José Botafogo Gonçalves, em que apresenta a curiosa tese, sobre as relações bilaterais Brasil-Argentina: afirma que tanto Brasília, quanto Buenos Aires, quando ressentidos, buscam a aproximação de Washington. Não seria o momento ideal para lê-lo?
Entretanto, há mais de um mês o Chanceler Rafael Bielsa escreveu uma carta pessoal ao Presidente Nestor Kirchner, na qual - longe de toda retórica - afirmou que a relação entre Brasil e Argentina, incluindo a que existe no seio do Mercosul, não podia e nem devia continuar como se encontra. Ato contínuo, é sabido que o Chanceler Rafael Bielsa possui, neste momento, três equipes – de diplomatas de carreira - no Ministério de Relações Exteriores argentino preparando uma nova política para as relações com o Brasil: a) o primeiro estuda tão somente a situação econômica bilateral, b) um segundo identifica as possíveis demandas argentinas ao Brasil, consideradas impostergáveis pelo governo Kirchner, e c) o terceiro analisa as conseqüências de um distanciamento do Brasil.
Nada pior do que querer ser o que já fomos, se é que já fomos muito. Argentina já foi um grande país antes do calote da dívida - que arruinou a sua economia -, com um grande peso político na geopolítica da América do Sul. Entretanto, apesar de continuar a possuir um orgulho enorme do seu passado, a verdade é que a Argentina já não é mais a mesma de outrora. E isso é difícil de ser assimilado e aceito por essa importante nação, parceira estratégica do Brasil no Mercosul.
A irritação argentina, na verdade, é contra a crescente hegemonia brasileira no continente sul-americano. O projeto brasileiro de liderança natural na região, por ter a maior economia, território e população, sempre molestou os desejos argentinos de supremacia regional. Por isso, não há nenhuma novidade na irritação argentina com os diplomáticos elogios ao Brasil da senhora Rice. Argentina sempre buscou uma maior aproximação com os EUA do que com o Brasil, mesmo na fase pós-criação do Mercosul e principalmente durante o governo do Presidente Menem.
Para a política externa brasileira, o início do processo de integração de todo o subcontinente americano foi dado com a criação da Comunidade Sul-Americana de Nações – CSN, na reunião de Cuzco, no Peru, em dezembro de 2004. Para ressaltar a discrepância argentina com o projeto de unidade sul-americana e de liderança do Brasil, o Presidente Nestor Kirchner sequer participou daquele encontro, que fora agendado com ex-Presidente Eduardo Duhalde. Mesmo assim, o presidente argentino foi convidado a participar da Cúpula América do Sul e Países Árabes - CASPA, que reunirá representantes de mais de 33 nações, durante os dias 10 e 11 de maio, em Brasília.
A gota d’água do mal estar argentino foi a atuação brasileira na crise recente do Equador, através da Comunidade Sul-Americana de Nações – CSN, e não pela Organização dos Estados Americanos – OEA, que se encontrava, naquele momento, sem presidente. Vale recordar que o Chanceler Celso Amorin convidou o governo argentino para participar da gestão do problema equatoriano, sem encontrar resposta de Buenos Aires. O governo argentino entendeu como uma demonstração de prepotência brasileira o asilo político dado ao ex-presidente equatoriano deposto.
Como se não bastasse, a balança do comércio bilateral vem pendendo nos últimos tempos para o lado brasileiro. Argentina vem sofrendo déficits comerciais com o Brasil, o que implica em maiores pressões do setor industrial daquele país. Segundo dados do Jornal do Brasil, em abril, as exportações brasileiras à Argentina alcançaram um total de US$ 764 milhões, uma alta de 49,8%, ao passo que as compras de produtos argentinos totalizaram em abril US$ 514 milhões.
O diálogo entre os dois países mais importantes do cone sul-americano deve ser reaberto imediatamente, pois não existe Brasil líder da região sem uma Argentina parceira e cooperante. A aliança estabelecida desde a criação do Mercosul, com a assinatura do Tratado de Assunção em 26 de março de 1991, foi a única demonstração plausível de integração na América Latina, e esse mérito pertence a Brasil e Argentina. Nenhuma outra forma de integração Latino-americana, em qualquer tempo da história, foi capaz de chegar ao patamar de entendimento conjunto alcançado pelo Mercosul. E tanto é verdade que além dos quatro países iniciais – Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai – alguns países já se associaram ao bloco, como Bolívia e Chile, e outros já solicitaram sua participação, como por exemplo Venezuela e México.
Com relação à entrada do México como sócio de pleno direito no Mercosul, vale lembrar que o ex-Presidente mexicano Carlos Salinas de Gortari, por mais de duas vezes, ofereceu seus país a Carlos Menem, como contrapeso político ao Brasil dentro do bloco sulista. Por outro lado, como questiona inteligentemente o jornalista argentino Oscar Raúl Cardoso, quem pode afirmar que o México não viria como cavalo de Tróia com a ALCA por dentro?
Enfim, Argentina espera receber algo em troca da hegemonia brasileira na região. Isto está claro. O problema, agora, é saber se o Brasil está disposto a dar algo a Argentina, em troca de uma aliança estratégica que nunca nos respaldou nos nossos objetivos mais ambiciosos e que vão além da geografia sul-americana, ou seja, ser líder dos países em desenvolvimento na OMC e ter assento permanente no Conselho de Segurança da ONU.
Ser líder implica assumir responsabilidades para com os liderados. Os argentinos deveriam reconhecer que sempre intercedemos por eles junto ao FMI e jamais aceitamos a soberania britânica sobre as Malvinas, como já demonstramos muito recentemente com o nosso mal-estar ao verificarmos a presença das ilhas no mapa da União Européia. Melhor que buscar por Washington sempre que ocorre um melindre com Brasília, seria Buenos Aires se entender definitivamente com Brasília. Ao final, o Brasil necessita da Argentina para assumir “seu destino manifesto” de potencia regional hegemônica na América do Sul.
Por fim, os jornais argentinos destacaram o fato engraçado de que o ex-Presidente Eduardo Duhalde, representante argentino no Mercosul, recentemente presenteou o Chanceler Bielsa com um livro do ex-embaixador brasileiro na Argentina, José Botafogo Gonçalves, em que apresenta a curiosa tese, sobre as relações bilaterais Brasil-Argentina: afirma que tanto Brasília, quanto Buenos Aires, quando ressentidos, buscam a aproximação de Washington. Não seria o momento ideal para lê-lo?