A Justiça britânica autorizou na semana passada o não prolongamento artificial da vida de um bebê de onze meses, contra o desejo dos pais em manter indeterminadamente a vida da filha. De acordo com a sentença judicial britânica, no momento que a paciente tenha outra parada cárdio-respiratória, os médicos não devem utilizar nenhum procedimento para mantê-la viva.
Charlotte Wyatt nasceu prematura de seis meses e pesando meio quilo em Portsmouth, Inglaterra. Seu cérebro encontra-se muito prejudicado e a criança possui problemas nos rins e pulmões. De acordo com os médicos, Charlotte senti dor e que não resistirá a primeira infecção viral que contrair. Alimentada através de tubos e respirando com sua cabeça apoiada em uma caixa de vidro, que ao bombear altos níveis de oxigênio lhe deteriora os pulmões, seu tempo de vida é de apenas alguns meses. Charlotte possui irreversíveis deformações cerebrais, pulmonares e cardíacas, e já foi ressuscitada pelos médicos três vezes.
O caso foi submetido à Justiça britânica pelos médicos do hospital de Portsmouth, amparados na lei britânica que faculta a qualquer médico negar-se a aplicar um tratamento inadequado a um paciente, depois de reanimarem a criança por cinco vezes, mesmo com a recusa de sua família em aceitar a recomendação médica de não prolongar o sofrimento em vão. Para os médicos, o melhor para a pequena Charlotte é deixá-la morrer em paz, sem prolongar artificialmente sua vida.
Fundados em profundos princípios cristãos, os pais de Charlotte insistem em preservar a vida da filha, é lógico, mesmo com todo o sofrimento, alegando que a pequena é uma “guerreira” que deve receber toda a assistência possível, e esperam por uma intervenção da providência divina. A mãe de Charlotte, Debbie Wyatt, está grávida do terceiro filho do atual marido, Darren, e tem ainda três outras crianças do casamento anterior.
O Juiz Mark Hedleys - de profundas convicções religiosas - do Tribunal Superior do Reino Unido, marcou definitivamente a jurisprudência ao decidir por não prolongar a vida de Charlotte, seguindo a unânime opinião médica que aponta no seu prognóstico que a pequena, clinicamente, nem pode esperar uma existência vegetativa. Sua polêmica decisão se fundamenta na inutilidade de prolongar por via artificial o sofrimento. “Cheguei a conclusão clara de que nenhum tratamento agressivo para prolongar sua vida vai beneficiá-la. Sei que isso significa que pode morrer antes do que poderia ocorrer caso contrário, mas entendo que sua morte apenas será adiantada um pouco”, afirmou o magistrado, que antes de ler a sentença reconheceu a dificuldade da decisão tomada destacando suas limitações.
O caso Charlotte é uma questão jurídica em que se interpretou a extensão do direito a vida frente à opinião médica de não submeter um paciente a um traumático e doloroso tratamento terapêutico sem perspectivas de sobrevivência. A decisão serve para ampliar o debate mundial sobre os limites éticos, morais e clínicos dos pais sobre a sobrevivência de um filho menor em estado agônico. De acordo com o precedente estabelecido pelo Juiz Mark Hedleys, a ética médica de que não se deve prolongar a agonia de um menor mesmo contra a vontade de seus familiares deve prevalecer.
Entretanto, na sentença do Juiz Mark Hedleys no caso Charlotte, já considerado pela imprensa como “um dos casos mais tristes e dramáticos da história da Justiça britânica”, não se buscou resolver uma questão sobre quem tem a última palavra sobre a vida de um paciente menor, se os médicos ou os pais. Se buscou solucionar um caso concreto, que respondesse a questão sobre o que seria mais conveniente para a criança, viver sofrendo ou morrer de maneira natural, pondo fim a sua dor.
O casal Wyatt já decidiu que não irá apelar da polêmica decisão judicial, afirmou seu advogado Richard Stein. Entretanto, a família de Charlotte vendeu sua estória a um jornal de Londres.