terça-feira, fevereiro 22, 2005

Faroeste cabolclo



Hoje, grande parte da elite amazônica
é subproduto do crime organizado.
Há um vasto esquema de poder.
Os grupos que se baseiam em
grilagem de terras e exploração clandestina
de recursos naturais têm um poder
muito maior que o do próprio estado.
Por isso, a violência vem dessa forma chocante.
A estrutura de criminalidade faz
da Amazônia uma imensa Sicília verde.

Lucio Flávio Pinto
Jornalista e sociólogo,
em entrevista ao JB, 21-02-2005



Em 2001, quando da minha primeira visita à floresta Amazônica, uma frase dita por um amigo - que residia em Manaus desde muito – nunca esqueci: - Aqui na Amazônia, estamos longe do Brasil. Por isso, tudo aqui é feito do nosso jeito mesmo, não esperamos nada de Brasília não. A frase demonstrava o abandono da região amazônica pelo Estado brasileiro, incapaz de levar a tênue e débil civilização brasileira aquelas lonjuras verdes.

O assassinato da missionária estadunidense de 74 anos Dorothy Stang, naturalizada brasileira, ocorrido na manhã do dia 12 de fevereiro último, no assentamento Esperança, em Anapu, a 600 quilômetros de Belém, Pará, me fez novamente pensar naquela frase ouvida em 2001. Até quando o Estado brasileiro vai abandonar a sua própria sorte a Amazônia? Que compromissos civilizadores possuem os Estados-membros amazônicos da federação brasileira? Qual o grau de responsabilidade da nação brasileira na série de crimes ocorridos nos últimos anos pela disputa da terra naquela região?

De acordo com a Ouvidoria Agrária Nacional e a Comissão Pastoral da Terra – CPT, o Estado do Pará possui os maiores índices de violência no campo de todo o país, além do maior número de mortes por disputas de terras. A maioria destas mortes em conflitos sobre a posse de terras devolutas usadas pelo governo federal para reforma agrária. A violência no campo brasileiro é enorme, e o Estado do Pará é, sem sombra de dúvida, o campeão: entre 1985 e 2004, se contabilizou 1.357 assassinatos sem que o mandante fosse preso, sendo 509 somente no Pará. Ademais do sul do estado do Pará, as regiões brasileiras de maior potencial de conflito agrário são o Pontal do Paranapanema, no Oeste de São Paulo, a Zona da Mata, em Pernambuco, áreas da Bahia, como a da região de Porto Seguro, além dos focos no Mato Grosso do Sul (região de Dourados) e no Rio Grande do Sul (região de Cruz Alta).

Irmã Dorothy, que pertencia à ordem as Irmãs de Notre Dame de Namur, trabalhou durante 30 anos na região Amazônica, sempre em defesa dos trabalhadores rurais, na sua luta por um pedaço de terra pra assentar a família e viver em paz. Os grileiros e os madeireiros ilegais eram seus grandes inimigos. Tal qual as favelas nas grandes capitais brasileiras, em muitas paragens imensas da Amazônia vigoram a lei do mais forte, a lei da barbárie, por total e completa ausência do Estado brasileiro. O assentamento Esperança, em Anapu, no Oeste do Pará, local do assassinato de Irmã Dorothy, teve o maior crescimento populacional do país, segundo o deputado federal Fernando Gabeira, do Partido Verde (RJ), sem o necessário crescimento da atuação estatal na região.

Tanto a Associação das Indústrias Madeireiras quanto a Associação dos Juizes Federais condenou o assassinato da missionária. A primeira culpou a morte da Irmã Dorothy à “falta de regularização fundiária”. A OAB, através do Presidente Roberto Busato, cobrou uma solução do governo federal para a guerra civil que atualmente existe no Estado do Pará. A imprensa internacional, mais uma vez, não deixou por menos, e a notícia mereceu uma página inteira do New York Times e o jornal inglês The Independent afirmou que o assassinato destaca o fracasso do governo em combater os desmatamentos ilegais.

A reação do governo federal ao caos agrário na região Amazônica denomina-se “Pacote Verde”, e conforme foi divulgado constará de: a) Medida Provisória criando mecanismo de limitação administrativa para exploração de madeira em áreas passíveis de se tornarem unidades de conservação; b) Decreto determinando proibição da exploração de madeira em áreas públicas à margem esquerda da rodovia BR-163 no Estado do Pará, além de suspender a concessão de novas autorizações de exploração de madeira; c) Instalação de Gabinete de Gestão Integrada (GGI) em caráter provisório no Estado do Pará, com sede em Belém ou em Altamira, para dar suporte às ações dos agentes do Ibama, Incra e da Polícia Federal; d) Criação de cinco unidades de conservação: 1- Estação Ecológica da Terra do Meio (PA) – com 3,4 milhões de hectares, 2- Floresta Nacional Serra do Padre (PA) – com 445 mil hectares, 3- Reserva extrativista do Riozinho da Liberdade (AC/AM) – com 325 mil hectares, 4- Floresta Nacional de Balata-Tufari (AM) – com 802 mil hectares, e 5 - Floresta Nacional de Anauá (RR) – com 259 mil hectares; e) Projeto de lei para tratar da gestão de florestas públicas, criando o Serviço Florestal Brasileiro, órgão para administrar o setor, e o Fundo Nacional de Desenvolvimento Florestal, para financiar ações de preservação e exploração sustentada de florestas.

Segundo noticiou a imprensa, algumas pessoas na cidade de Anapu, ao tomarem conhecimento da morte da irmã Dorothy, soltaram fogos de artifício em comemoração. Uma terra onde se comemora o assassinato de uma freira realmente não pode ser um local civilizado. Portanto, falta a presença civilizadora do Estado na região Amazônica, em substituição a grileiros e jagunços de madeireiros ilegais. Que o Brasil imponha o império da lei, de uma vez por todas, neste verdadeiro faroeste caboclo.

domingo, fevereiro 13, 2005

O Poder respeita o poder









O Reino Unido não tem força
pra levar os EUA.
Mas Europa tem muita força.
Washington terá que escutar
mais a 450 milhões de europeus
que a 60 milhões de britânicos.
O poder respeita o poder.
Desde o ponto de vista econômico,
a União Européia é uma superpotência.
E o poder respeita ao poder.

Timothy Garton Ash,
no artigo “No mas Jeeves”,
El País, 03-10-2004.


O Brasil não deve jamais afrontar aos EUA. Ao contrário, o Brasil deve aliar-se aos EUA para reafirmar nossa liderança na América do Sul. Esse pensamento não é neoliberal, ao contrário, é um pensamento defendido pela esquerda européia, como política exterior no seio da União Européia. Se eles, os europeus, que possuem sociedades mais igualitárias e ricas defendem esta tese, o mais inteligente para um país em desenvolvimento, com uma dívida social e externa tremenda, é seguir e aplicar essa idéia de política exterior.

E não seria uma inovação em matéria de política exterior brasileira, visto que a seguimos desde o tempo em que fazíamos parte do Império Português - e a Inglaterra era a superpotência hegemônica do momento-, com proveitos incontáveis para o nosso desenvolvimento enquanto potência regional.

Aliás, essa é a política adotada atualmente pela Inglaterra, apesar de que de forma exagerada, conforme admite muitos politólogos ingleses. E pior, pois dá a nítida impressão de que o Reino Unido é apenas uma colônia americana, dado o grau de submissão à Casa Branca. As origens desta submissão britânica aos EUA remontam-se na necessidade de Churchill conseguir apoio americano durante a II Guerra Mundial, no momento posterior à queda da França, quando os britânicos se encontravam em perfeita solidão.

Entretanto, existe o problema do unilateralismo do governo Bush, do qual Alemanha, França e, agora, a Espanha tentam saltar o passo, mesmo desejando a necessária aliança com os EUA. O exemplo espanhol é claro: ao retirar as tropas espanholas do Iraque, o senhor Zapatero – Primeiro Ministro espanhol e socialista - reforça a participação militar do seu país no Afeganistão. Em claro apoio às tropas americanas estacionadas naquele país.

Uma política exterior inteligente, para um país como o Brasil, passa necessariamente por uma aliança com os EUA. Acontece que essa aliança não há de ser entendida como total e incondicional apoio à política exterior do senhor Bush. O poder somente respeita o poder, e isso é uma verdade tão grande como um gol de bicicleta de Pelé numa final de Copa do Mundo contra a Argentina. Ninguém pode negar.

Por fim, cabe lembrar a lição do historiador inglês Timothy Garton Ash, que contou que uma vez perguntado sobre o papel do Reino Unido com relação aos EUA, Harold MacMillan, Ex-Premier britânico, respondeu que deveria ser o mesmo papel dos gregos com relação ao Império romano. Somente esqueceu, que esse papel costumava ser o papel de escravo. O Presidente Reagan tinha como aliado na Europa a Margaret Thatcher, Primeira Ministra britânica, mas isso não o impediu de invadir a ilha de Granada – que faz parte da Commonwealth - sem jamais consultá-la.

Portanto, necessitamos da aliança com os EUA para desenvolver plenamente nossa hegemonia no subcontinente americano, bem como para conseguir um assento definitivo no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Entretanto, não podemos seguir incondicionalmente a política exterior da Casa Branca. Devemos ser aliados preferenciais dos EUA em nossa região, sem perder a independência de buscar soluções nacionais para desenvolver nossa política exterior. Aliados e independentes poderemos até vir a ter poder internacional, pois o poder somente respeita o poder.

sábado, fevereiro 12, 2005

Discurso anual do Império





Na velha Roma imperial, os Césares faziam discursos no Senado não para prestar contas, mas para exaltar suas figuras e demonstrar ao mundo o poder e glória de Roma. No dia dois de fevereiro passado o Presidente Bush discursou sobre o Estado da União estadunidense, uma tradição da política americana, na qual o Presidente não só presta contas da sua administração, mas também indica os elementos de destaque e suas prioridades para o ano que se inicia.

O Presidente Bush, no seu discurso, igual aos Imperadores romanos do passado, não tratou meramente de temas internos, mas sim dos temas importantes para o Império. O Império americano. Quase como uma extensão do seu discurso de posse de janeiro, o senhor Bush lançou mais incertezas e ameaças que palavras tranqüilizadoras aos povos do mundo, ainda que a notícia positiva seja a pretensão americana de liberar 350 milhões de dólares para a Autoridade Palestina, a título de ajuda internacional na reconstrução das instituições palestinas. Com relação ao Iraque, os ianques vão permanecer naquele país por mais tempo do que imaginavam. Existe a possibilidade real de que se instaure uma guerra civil e o caos total, caso as tropas internacionais comandadas pelos EUA se retirem neste momento do território iraquiano.

Com as acusações, à Síria e ao Irã, de colaboração com o terrorismo internacional, os EUA indicaram quais serão os próximos alvos da diplomacia militar estadunidense. Os sírios se apressaram em informar que apenas prestam apoio político aos grupos palestinos Hamas, Jihad Islâmica e Hisbolá. Em nome da República Islâmica do Irã, o aitolá Ali Khamenei alertou os EUA de que quatro ex-Presidentes daquele país já haviam fracassado na tentativa de derrubar a revolução islâmica iraniana. No tocante à Coréia do Norte, anteriormente denominada de vértice do “Eixo do Mal”, apenas o “blábláblá” de sempre. Pode ser que a boa vontade americana para com o país seja fruto da capacidade nuclear do regime coreano. Talvez o objetivo da próxima cruzada do senhor Bush seja realmente o Oriente Médio – detentor de 60% das reservas de energia do mundo – e não o Extremo Oriente.

De maneira que o destaque internacional ficou, como sempre, para o Oriente Médio, sendo a América Latina – mais uma vez – ignorada. Pelo menos não nos invadem com a desculpa de apear algum ridículo ditador do poder ou de combater o terrorismo islâmico. Nunca foi tão útil ser católico nessas terras hispanas.

O Império romano – que durou oito séculos – foi tolerante em matéria religiosa e tinha como justificativa moral levar a civilização aos povos bárbaros. O Império britânico – em seus trezentos anos de duração - também o foi, ainda que incentivasse a catequese cristã, e se justificava na missão de espalhar a civilização e a ciência aos povos ditos “atrasados”. O Império soviético – que durou quase setenta anos - era totalmente repressor em matéria religiosa e sua missão era promover a revolução socialista. O segundo mandato do senhor Bush trouxe à tona o lado mais provinciano e intolerante dos EUA, o país mais rico e invejado do mundo. Tão condenável quanto o fundamentalismo islâmico, o fundamentalismo religioso da extrema direita estadunidense é contrário a todo progresso cientifico, chegando a negar até mesmo a Teoria da Evolução, de Charles Darwin. Ao mesclar política e religião, o senhor Bush negou os valores do Iluminismo que nortearam a fundação dos EUA e fizeram deste país a pátria da liberdade.