Hoje, grande parte da elite amazônica
é subproduto do crime organizado.
Há um vasto esquema de poder.
Os grupos que se baseiam em
grilagem de terras e exploração clandestina
de recursos naturais têm um poder
muito maior que o do próprio estado.
Por isso, a violência vem dessa forma chocante.
A estrutura de criminalidade faz
da Amazônia uma imensa Sicília verde.
Lucio Flávio Pinto
Jornalista e sociólogo,
em entrevista ao JB, 21-02-2005
Em 2001, quando da minha primeira visita à floresta Amazônica, uma frase dita por um amigo - que residia em Manaus desde muito – nunca esqueci: - Aqui na Amazônia, estamos longe do Brasil. Por isso, tudo aqui é feito do nosso jeito mesmo, não esperamos nada de Brasília não. A frase demonstrava o abandono da região amazônica pelo Estado brasileiro, incapaz de levar a tênue e débil civilização brasileira aquelas lonjuras verdes.
O assassinato da missionária estadunidense de 74 anos Dorothy Stang, naturalizada brasileira, ocorrido na manhã do dia 12 de fevereiro último, no assentamento Esperança, em Anapu, a 600 quilômetros de Belém, Pará, me fez novamente pensar naquela frase ouvida em 2001. Até quando o Estado brasileiro vai abandonar a sua própria sorte a Amazônia? Que compromissos civilizadores possuem os Estados-membros amazônicos da federação brasileira? Qual o grau de responsabilidade da nação brasileira na série de crimes ocorridos nos últimos anos pela disputa da terra naquela região?
De acordo com a Ouvidoria Agrária Nacional e a Comissão Pastoral da Terra – CPT, o Estado do Pará possui os maiores índices de violência no campo de todo o país, além do maior número de mortes por disputas de terras. A maioria destas mortes em conflitos sobre a posse de terras devolutas usadas pelo governo federal para reforma agrária. A violência no campo brasileiro é enorme, e o Estado do Pará é, sem sombra de dúvida, o campeão: entre 1985 e 2004, se contabilizou 1.357 assassinatos sem que o mandante fosse preso, sendo 509 somente no Pará. Ademais do sul do estado do Pará, as regiões brasileiras de maior potencial de conflito agrário são o Pontal do Paranapanema, no Oeste de São Paulo, a Zona da Mata, em Pernambuco, áreas da Bahia, como a da região de Porto Seguro, além dos focos no Mato Grosso do Sul (região de Dourados) e no Rio Grande do Sul (região de Cruz Alta).
Irmã Dorothy, que pertencia à ordem as Irmãs de Notre Dame de Namur, trabalhou durante 30 anos na região Amazônica, sempre em defesa dos trabalhadores rurais, na sua luta por um pedaço de terra pra assentar a família e viver em paz. Os grileiros e os madeireiros ilegais eram seus grandes inimigos. Tal qual as favelas nas grandes capitais brasileiras, em muitas paragens imensas da Amazônia vigoram a lei do mais forte, a lei da barbárie, por total e completa ausência do Estado brasileiro. O assentamento Esperança, em Anapu, no Oeste do Pará, local do assassinato de Irmã Dorothy, teve o maior crescimento populacional do país, segundo o deputado federal Fernando Gabeira, do Partido Verde (RJ), sem o necessário crescimento da atuação estatal na região.
Tanto a Associação das Indústrias Madeireiras quanto a Associação dos Juizes Federais condenou o assassinato da missionária. A primeira culpou a morte da Irmã Dorothy à “falta de regularização fundiária”. A OAB, através do Presidente Roberto Busato, cobrou uma solução do governo federal para a guerra civil que atualmente existe no Estado do Pará. A imprensa internacional, mais uma vez, não deixou por menos, e a notícia mereceu uma página inteira do New York Times e o jornal inglês The Independent afirmou que o assassinato destaca o fracasso do governo em combater os desmatamentos ilegais.
A reação do governo federal ao caos agrário na região Amazônica denomina-se “Pacote Verde”, e conforme foi divulgado constará de: a) Medida Provisória criando mecanismo de limitação administrativa para exploração de madeira em áreas passíveis de se tornarem unidades de conservação; b) Decreto determinando proibição da exploração de madeira em áreas públicas à margem esquerda da rodovia BR-163 no Estado do Pará, além de suspender a concessão de novas autorizações de exploração de madeira; c) Instalação de Gabinete de Gestão Integrada (GGI) em caráter provisório no Estado do Pará, com sede em Belém ou em Altamira, para dar suporte às ações dos agentes do Ibama, Incra e da Polícia Federal; d) Criação de cinco unidades de conservação: 1- Estação Ecológica da Terra do Meio (PA) – com 3,4 milhões de hectares, 2- Floresta Nacional Serra do Padre (PA) – com 445 mil hectares, 3- Reserva extrativista do Riozinho da Liberdade (AC/AM) – com 325 mil hectares, 4- Floresta Nacional de Balata-Tufari (AM) – com 802 mil hectares, e 5 - Floresta Nacional de Anauá (RR) – com 259 mil hectares; e) Projeto de lei para tratar da gestão de florestas públicas, criando o Serviço Florestal Brasileiro, órgão para administrar o setor, e o Fundo Nacional de Desenvolvimento Florestal, para financiar ações de preservação e exploração sustentada de florestas.
Segundo noticiou a imprensa, algumas pessoas na cidade de Anapu, ao tomarem conhecimento da morte da irmã Dorothy, soltaram fogos de artifício em comemoração. Uma terra onde se comemora o assassinato de uma freira realmente não pode ser um local civilizado. Portanto, falta a presença civilizadora do Estado na região Amazônica, em substituição a grileiros e jagunços de madeireiros ilegais. Que o Brasil imponha o império da lei, de uma vez por todas, neste verdadeiro faroeste caboclo.