sábado, fevereiro 12, 2005

Discurso anual do Império





Na velha Roma imperial, os Césares faziam discursos no Senado não para prestar contas, mas para exaltar suas figuras e demonstrar ao mundo o poder e glória de Roma. No dia dois de fevereiro passado o Presidente Bush discursou sobre o Estado da União estadunidense, uma tradição da política americana, na qual o Presidente não só presta contas da sua administração, mas também indica os elementos de destaque e suas prioridades para o ano que se inicia.

O Presidente Bush, no seu discurso, igual aos Imperadores romanos do passado, não tratou meramente de temas internos, mas sim dos temas importantes para o Império. O Império americano. Quase como uma extensão do seu discurso de posse de janeiro, o senhor Bush lançou mais incertezas e ameaças que palavras tranqüilizadoras aos povos do mundo, ainda que a notícia positiva seja a pretensão americana de liberar 350 milhões de dólares para a Autoridade Palestina, a título de ajuda internacional na reconstrução das instituições palestinas. Com relação ao Iraque, os ianques vão permanecer naquele país por mais tempo do que imaginavam. Existe a possibilidade real de que se instaure uma guerra civil e o caos total, caso as tropas internacionais comandadas pelos EUA se retirem neste momento do território iraquiano.

Com as acusações, à Síria e ao Irã, de colaboração com o terrorismo internacional, os EUA indicaram quais serão os próximos alvos da diplomacia militar estadunidense. Os sírios se apressaram em informar que apenas prestam apoio político aos grupos palestinos Hamas, Jihad Islâmica e Hisbolá. Em nome da República Islâmica do Irã, o aitolá Ali Khamenei alertou os EUA de que quatro ex-Presidentes daquele país já haviam fracassado na tentativa de derrubar a revolução islâmica iraniana. No tocante à Coréia do Norte, anteriormente denominada de vértice do “Eixo do Mal”, apenas o “blábláblá” de sempre. Pode ser que a boa vontade americana para com o país seja fruto da capacidade nuclear do regime coreano. Talvez o objetivo da próxima cruzada do senhor Bush seja realmente o Oriente Médio – detentor de 60% das reservas de energia do mundo – e não o Extremo Oriente.

De maneira que o destaque internacional ficou, como sempre, para o Oriente Médio, sendo a América Latina – mais uma vez – ignorada. Pelo menos não nos invadem com a desculpa de apear algum ridículo ditador do poder ou de combater o terrorismo islâmico. Nunca foi tão útil ser católico nessas terras hispanas.

O Império romano – que durou oito séculos – foi tolerante em matéria religiosa e tinha como justificativa moral levar a civilização aos povos bárbaros. O Império britânico – em seus trezentos anos de duração - também o foi, ainda que incentivasse a catequese cristã, e se justificava na missão de espalhar a civilização e a ciência aos povos ditos “atrasados”. O Império soviético – que durou quase setenta anos - era totalmente repressor em matéria religiosa e sua missão era promover a revolução socialista. O segundo mandato do senhor Bush trouxe à tona o lado mais provinciano e intolerante dos EUA, o país mais rico e invejado do mundo. Tão condenável quanto o fundamentalismo islâmico, o fundamentalismo religioso da extrema direita estadunidense é contrário a todo progresso cientifico, chegando a negar até mesmo a Teoria da Evolução, de Charles Darwin. Ao mesclar política e religião, o senhor Bush negou os valores do Iluminismo que nortearam a fundação dos EUA e fizeram deste país a pátria da liberdade.