O tormento de Vinicius de Moraes
Uma seleção de poemas revela as angustias do poeta brasileiro
FRANCHO BARÓN - Rio de Janeiro – El País - 02/03/2009
Tradução Antonio de Freitas Jr.
Vinicius de Moraes (Marcus Vinícius da Cruz de Mello Moraes, Rio de Janeiro, outubro de 1913 - julho de 1980), ainda usava calça curta quando percorria os corredores do colégio católico Santo Inácio com versos de sua autoria escondidos nos bolsos do uniforme. Vários elementos apontam à pouco conhecida tese de que Vinicius de Moraes foi, na verdade, uma pessoa profundamente atormentada, ciclotímica e de complexas dúvidas existenciais, em comparação com a imagem de showman tagarela, piadista e propenso à bebida, às mulheres bonitas e à noite que existe de sua pessoa há décadas.
A editoria brasileira “Companhia das Letras” publicou recentemente uma nova seleção de poemas do que foi íntimo amigo do compositor Antonio Carlos Jobim, que aprofunda na teoria de que Vinicius de Moraes, além de um ícone da ‘bossa nova’, foi um homem eternamente angustiado. ‘Poemas Esparsos’ inclui alguns versos inéditos, anotações e textos explicativos de grandes figuras da cultura brasileira, como os poetas Ferreira Gullar e Carlos Drummond de Andrade, ou o compositor e músico Caetano Veloso.
O coordenador do volume, o também poeta Eucanãa Ferraz, inaugura o epílogo da seguinte maneira: "Os dramas de Vinicius de Moraes nunca foram os próprios da poética. Desde ‘Caminho para a Distância’, seu primeiro livro (...), os problemas de expressão de uma inquietude existencial estiveram num primeiro plano e ali permaneceram instalados, iniludíveis como um destino".
Efetivamente, nos dois primeiros livros de poesia rubricados por Vinicius, ‘Caminho para a Distância’ (1933) e ‘Forma e Exegese’ (1935), uma atmosfera de culpabilidade e desassossego se apodera dos versos. Segundo explica Castello num extraordinário ensaio publicado em janeiro passado na revista cultural brasileira ‘Bravo!’, a mulher surge neste período do poeta incipiente como uma figura inocente e intangível, enquanto que o homem cobra a categoria de ser inferior e sujo, indigno do amor e da companhia feminina.
Em ambos volumes, catalogados por Castello como "poesia metafísica", a masculinidade se apresenta como "um lastre que move aos homens por impulsos carnais e arroubos de violência". Vinicius sentia repugnância de sua própria condição masculina, porém nem por isso renunciou a ela.
No Brasil, Vinicius é conhecido carinhosamente como "o poetinha", um diminutivo que enfatiza sua faceta mais primaveral ou, mais preocupante ainda, que com não pouca condescendência rebaixa seu porte e solvência como intelectual a uma categoria inferior. "Vinicius rompeu com a imagem dos grandes poetas e narradores de sua época. Enquanto Guimarães Rosa ou Clarice Lispector eram figuras consagradas da literatura brasileira, Vinicius ficava mais e mais no folclore do Rio de Janeiro, algo que prejudicou profundamente sua imagem de grande intelectual", comenta José Castello, crítico literário e autor da mais completa biografia de Vinicius de Moraes, ‘O Poeta da Paixão’.
Vinicius de Moraes alternou sua intensa produção literária e jornalística com uma maltratada carreira diplomática que o levaria a Los Angeles, Paris e Montevidéu. Nunca suportou os protocolos rígidos próprio das embaixadas e dos consulados. Contam que quando não estava de humor para vestir-se de paletó e gravata e ir trabalhar, o autor da letra de ‘Garota de Ipanema’ despachava e recebia visitas em cuecas nas dependências da residência oficial. Em Paris, as mesas do ‘Le Bar Anglais’ faziam às vezes de escritório em horários de trabalho e foi ali onde continuou seu descenso aos infernos do whisky e dos romances furtivos (foi neste lugar onde cultivou a infidelidade à sua terceira esposa, Lila Bôscoli, com a mesmíssima Marlene Dietrich).
Num intervalo de 41 anos, desde seu primeiro casamento até 1980, ano em que faleceu, Vinicius viveu uma série de nove matrimônios, uns mais tempestuosos que outros, sem contar com os inumeráveis ‘affaires’ paralelos com que tentava camuflar sua eterna insatisfação emocional. "O amor sereno significava a morte para ele. Se não vivia numa permanente euforia amorosa entrava em depressão. Sofria o que os psicólogos atuais denominam bipolaridade", explica Castello.
Saboreou o mel do sucesso e da fama no Brasil e no resto do mundo, porém nunca obteve o respeito dos círculos intelectuais de sua época. Segundo Caetano Veloso, o próprio Vinicius lhe deu a chave numa conversa privada em sua casa do bairro carioca do Jardim Botânico: "Eu prefiro a musiquinha, as mulheres bonitas... desta maneira a poesia flui. Não quero aquilo (o trabalho disciplinado e meticuloso do poeta sério e comprometido)".
Precisamente essa é a imagem que restou do grande Vinicius de Moraes no imaginário popular: a de um homem ébrio, com um copo de wisky na mão, rodeado de amigos e mulheres bonitas, cantarolando canções que exaltavam a felicidade e a leveza dos verões eternos do Rio de Janeiro. De acordo com um biógrafo, o poeta sofria um transtorno de bipolaridade.