sexta-feira, novembro 27, 2009

Mil páginas de guerra e amor


Mil páginas de guerra e amor

Antonio Muñoz Molina apresentou sua última novela, 'La noche de los tiempos'

J. R. M. - Madrid – El País - 24/11/2009

Tradução de Antonio de Freitas Jr.

"Uma novela de guerra cruzada por uma história de amor ou uma novela de amor na qual irrompe uma guerra. O leitor decidirá o que é em função de sua experiência". Assim descreveu o poeta e acadêmico Pere Gimferrer a última novela de Antonio Muñoz Molina, ‘La noche de los tiempos’ (Editora Seix Barral), no lotado salão de atos da ‘Residencia de Estudiantes’ de Madri, curiosamente o mesmo lugar em que começa a novela.

Antonio Muñoz Molina, como ele mesmo disse, adiantou o dia de Ação de Graças para repassar em 56 tópicos, que terminaram levando-lhe a perder a conta, os cenários, autores, amigos e leituras que há por detrás de um relato de 1.000 páginas cujo pano de fundo é a guerra civil espanhola.

Sua peculiar lista de agradecimentos começou pelo escritor romeno Norman Manea e terminou com Luis Buñuel. O primeiro lhe convidou a dar uns cursos que lhe obrigaram a viajar desde Nova York em trem durante o outono de 2006 na velha estrada de ferro que corre às margens do rio Hudson. Foram nessas viagens quando lhe ocorreu o argumento de ‘La noche de los tiempos’. A Buñuel lhe agradeceu por ‘La Edad de Oro’: "Nesse filme há dois amantes que se buscam e se separam continuamente a todo o momento. Eu os tive presentes ao imaginar meus personagens".

Entre Manea e Buñuel estiveram Pedro Salinas, sua amante e sua mulher, Arturo Barea, Max Aub e Zenobia Camprubí, esposa de Juan Ramón Jiménez. Tampouco faltou o chileno Carlos Morla, cujos diários de 1936 recuperou, não faz tanto tempo, outro dos citados por Muñoz Molina, o poeta Abelardo Linares, responsável pela Editora ‘Renacimiento’. Porém, nem tudo foram nomes e sobrenomes. Entre as atitudes que lhe incentivaram a escrever seu livro o novelista falou da "cafonice sentimental e barata difundida nos últimos anos em torno à República. Essa moda insensata me irritou e me deu muita força".

Antonio Muñoz Molina contra os fanatismos

'La noche de los tiempos' (Editora Seix Barral) é a esperada novela do escritor espanhol que Babelia antecipa com exclusividade.

WINSTON MANRIQUE SABOGAL - El País – Madrid - 16/11/2009

Tradução de Antonio de Freitas Jr.

A separação amorosa e as dificuldades que sofre o ser humano pelos fanatismos ideológicos, neste caso da Guerra Civil espanhola, formam a geografia da esperada novela de Antonio Muñoz Molina: ‘La noche de los tiempos’ (Editora Seix Barral). Uma obra que transcorre às vésperas do conflito fratricida que assolou a Espanha entre 1936 e 1939, porém com uma desoladora sombra, cujo primeiro capítulo antecipa Babelia com exclusividade em ELPAÍS.com, como faz toda segunda-feira com o livro mais destacado da semana. A novela chegou às livrarias espanholas dia 19/11.

Os motivos e a essência do livro os explicam o próprio Antonio Muñoz Molina (Úbeda, Jaén, 1956): "Escrevi a novela querendo indagar a maneira como a paixão amorosa transtorna não somente as vidas dos amantes unidos por ela, mas também a vida da gente que está ao redor, os que sem conhecer o deslumbramento sofrem seus efeitos, com frequência incontroláveis e cruéis. E também queria pôr-me na alma de um homem que pertencesse a essa classe de sonhadores pragmáticos que foram tão importantes no meio da grande crise do século XX, e que em muitos casos sofreram a perseguição das duas formas de totalitarismo que se impuseram na Europa, que tinham entre si muitas coincidências, entre elas o desprezo pela consciência individual e por esses ativistas do humanismo liberal aos quais se deve algumas das melhores coisas que temos. Porém, que força pode fazer a consciência racional, o compromisso cívico, quando se desatam os delírios messiânicos e em grande medida criminais das ideologias? Não havia lugar para essas pessoas: nem para Stefan Zweig, nem para Juan Negrín, nem para Clara Campoamor, gente progressista que não acreditava que em nome do progresso estivesse autorizado o crime. As duas separações, a sentimental e a política, são o eixo do meu arquiteto inventado, ainda que espero que também verossímil".

Junto a este homem e a outros seres de ficção convivem pessoas reais, algumas já citadas por Muñoz Molina, além de Moreno Villa e Bergamín. Uma narração através da história desse arquiteto que em outubro de 1936, já longe do conflito fratricida recém desencadeado, e deixando para trás sua mulher e filhos, recorda um amor clandestino e as tormentas sociais e políticas que começaram a envolver seu mundo e a envolver a milhares de pessoas.

Novela de sentimentos, emoções e reflexões em torno do amor, da intolerância e dos fanatismos ideológicos; Muñoz Molina criou o retrato de uma época onde se mostra a maneira como se destrói o país, sua sociedade e os afetos de sua população. Uma viagem à noite dos tempos e à longa sombra do passado, do qual falou o escritor numa entrevista publicada em Babelia sábado 21 de novembro.

"En la cartera que abulta en el bolsillo derecho de su gabardina guarda una foto de Judith Biela y otra de sus hijos, Lita y Miguel, sonriendo una mañana de domingo de hace unos meses: las dos mitades rotas de su vida, antes incompatibles, ahora perdidas por igual".

É o que conta o narrador da novela que se pode ler na edição digital do jornal El País, e que continua assim: "Ignacio Abel sabe que si se miran demasiado las fotografías no sirven para invocar una presencia. (...) Desde hace unos meses uno ya no puede estar seguro de ciertas cosas: uno no sabe si alguien que recuerda bien o a quien vio hace unos días o sólo unas horas está vivo aún. Antes la muerte y la vida tenían fronteras nítidas, menos movedizas...".

Capítulo I de 'La noche de los tiempos', de Antonio Muñoz Molina
El País - Editora Seix Barral

BABELIA 939: En casa de Antonio Muñoz Molina
J. RUIZ MANTILLA / Á. R. DE LA RÚA / P. CASADO
El País - 20-11-2009
O escritor abre as portas de sua casa e relata algumas das curiosidades do proceso de criação de sua última novela 'La noche de los tiempos' (en español)

sábado, novembro 21, 2009

França 'fichou' a Hitler como um "demagogo astuto, não um idiota"


França 'fichou' a Hitler como um "demagogo astuto, não um idiota"

REUTERS - Paris – El País - 21/11/2009

Tradução de Antonio de Freitas Jr.

Um documento oculto nos Arquivos Nacionais franceses e datado de 1924 descreve Adolf Hitler - então líder do Partido Nacional-socialista Obreiro Alemão - como um "demagogo bastante astuto" e como o equivalente germânico do ditador italiano Benito Mussolini. Contudo, não levanta a voz de alarme sobre a eventual influência de Hitler na realidade europeia dos anos subsequentes.

"Não é idiota, mas um demagogo bastante astuto", afirma a breve e amarelada nota redigida por um espião francês, acompanhada de uma foto de Hitler vestido com paletó e gravata, já com seu habitual bigode e seu cabelo partido de lado. O agente apresenta a Hitler como "o Mussolini alemão" e adverte de que "comanda grupos paramilitares de orientação fascista", mas não recomenda adotar nenhuma medida contra o homem que desencadearia a Segunda Guerra Mundial.

Esta nota é parte de um enorme arquivo que se remonta ao período em que as tropas francesas ocuparam a Alemanha após o final da Primeira Guerra Mundial. O informe sobre Hitler, que logo estará à disposição dos historiadores, estava guardado separado num arquivo de metal construído em 1791 durante a Revolução Francesa, que contém mais de 800 textos, entre os quais se destacam o diário do decapitado rei Luis XVI e de sua esposa, Maria Antonieta. Estes documentos foram posteriormente transportados a Paris em 1930 e estão armazenados desde então nos Arquivos Nacionais franceses. A nota que descreve Hitler está acompanhada de textos similares com referências a seus comparsas, Goebbels, Hermann Goering e Heinrich Himmler, ministro do Interior e chefe da polícia alemã, ao qual se acusa diretamente de "racista".

quarta-feira, novembro 18, 2009

A temperatura global pode subir até seis graus


A temperatura global pode subir até seis graus caso não se tomem medidas urgentes

Um informe do ‘Global Carbon Project’ alerta para as consequências irreversíveis do aquecimento global - A diretora do estudo adverte que Copenhague é "a última oportunidade para estabilizar o clima"

ELPAÍS.com - Madrid - 18/11/2009

Tradução de Antonio de Freitas Jr.

A temperatura aumentará seis graus antes do fim do século, segundo um estudo publicado na revista ‘Nature Geoscience’ e realizado pela associação ‘Global Carbon Project’, que contou com a participação de 31 pesquisadores de sete países. O estudo confirma o pior dos cenários em que se movem os prognósticos sobre a mudança climática; até agora, os melhores propósitos dos Estados falam em reduzir a dois graus o aumento da temperatura daqui a 2050 já que situava aqui o umbral do que se considerava realmente perigoso.

Este aumento seria ainda mais grave próximo dos pólos e poderia ter consequências irreversíveis para a Terra. Os cientistas afirmam que a responsabilidade é do aumento de emissões de carbono, provocado, sobretudo pela indústria, pelo transporte e pelo desmatamento. O estudo afirma que até 2002, as emissões cresceram em torno de um ponto anual e a partir daí o aumento chegou até 3%.

O estudo põe de relevo a grande importância da próxima conferência de Copenhague, onde a comunidade internacional deve firmar um novo acordo para tratar de frear a mudança climática. Corinne Le Quéré, diretora do estudo da Universidade de East Anglia, assegurou que foi provado um aumento das emissões em 29% entre 2000 e 2008. Os cientistas prevêem que haverá pequenos retrocessos este ano, porém mais aumentos a partir de 2010.

"A Conferencia de Copenhague este mês é a última oportunidade de estabilizar o clima", advertiu a professora Le Quéré. "Se o acordo é demasiado fraco ou não se respeitam os acordos não vamos ver um aumento de 2,5 ou 3 graus: vai ser 5 ou 6, porque esse é o caminho por onde vamos", advertiu. O estudo também revela que pela primeira vez se detectou uma falha na capacidade da Terra para absorver dióxido de carbono, provavelmente devido ao aumento de temperatura.

quarta-feira, novembro 11, 2009

"Algo único da Espanha"


"Algo único da Espanha"

Carlos Saura filma 'Flamenco, flamenco' em Sevilha.

SANTIAGO BELAUSTEGUIGOITIA - Sevilha – El País - 11/11/2009

Tradução de Antonio de Freitas Jr.

Vestida de vermelho e com uma manta sobre os ombros, a bailarina Sara Baras é o centro dos olhares de dezenas de pessoas. Três guitarras e um violino põem música ao movimento de Baras, que sapateia rodeada por grandes reproduções de quadros de Julio Romero de Torres. A câmera segue sua dança. Os sapatos vermelhos assenhoreiam-se do cenário. O som das palmas se faz mais alto. E soa um grito que corta este momento de gravação do filme ‘Flamenco, flamenco’, do diretor Carlos Saura, no ‘Pabellón del Futuro’, na ‘Cartuja de Sevilha’.

Quatorze anos após a gravação do filme ‘Flamenco’, Saura voltou a submergir na arte espanhola por excelência junto ao diretor de fotografia Vittorio Storaro e o assessor musical Isidro Muñoz. "Há uma quantidade de talento surpreendente. Há um florescimento poderosíssimo do flamenco em Andaluzia. Por isso a seleção de artistas foi muito difícil de fazer", afirmou Saura. "O flamenco interessa cada vez mais. Não sou um grande especialista em flamenco. Sou um apaixonado pelo flamenco. É algo único que temos na Espanha. O mais parecido ao jazz. É uma mescla de culturas. É, ademais, uma música viva, o que a diferencia de outras que não avançaram. O flamenco se enriquece com novos aportes. Está num momento vigoroso, vivo e fantástico", comentou o diretor de ‘La caza’.

‘Flamenco, flamenco’, cuja gravação acaba dia 13 de novembro, estreia em setembro de 2010. Com um orçamento de 4,2 milhões de euros, o filme conta com a participação de cantores como José Mercé, Estrella Morente, Miguel Poveda, Niña Pastori e Arcángel, entre outros. Além de Sara Baras, bailam no filme Eva Yerbabuena, Israel Galván e Farruquito. Guitarristas como Paco de Lucía, Manolo Sanlúcar e Tomatito traçam um quadro artístico que se completa com David Dorantes e Diego Amador ao piano.

Artistas que são a historia do flamenco, como José Mercé, Sanlúcar e Paco de Lucía, conformam o eixo do filme. São o tronco que sustenta o aporte dos jovens que não estiveram no filme anterior (Poveda, Morente, Baras, Galván, Eva Yerbabuena). Essa soma de procuras se estrutura em torno a um ciclo vital que vai do nascimento à morte através dos palcos flamencos. Dessa forma, começa com a ‘nana flamenca’ e as influências das músicas andaluza e paquistanesa até chegar ao canto sério e ao sentimento mais puro. Em seguida, vem o renascimento que trazido pelos jovens intérpretes. Paralelamente, há outra viagem visual baseada na luz e nas cores. "São os melhores artistas que há neste país e os melhores do mundo", liquidou Saura.

terça-feira, novembro 10, 2009

Berlim celebra a vitória da liberdade

Berlim celebra a vitória da liberdade

Merkel: "A liberdade não surge sozinha, há que lutar. Juntos podemos tirar o Muro" - Sarkozy, Medvédev, Brown e Clinton se dirigiram à multidão entre ovaciones

JUAN GÓMEZ - Berlim – El País - 10/11/2009

Tradução de Antonio de Freitas Jr.

Às oito e meia da tarde de ontem (09/11), o líder do movimento Solidariedade e posteriormente Presidente da Polônia, Lech Walesa, empurrou junto a Miklos Nemeth, primeiro-ministro húngaro em 1989, a primeira peça do dominó gigante que simbolizava o antigo muro de Berlim. Foi o auge da grande festa da liberdade que celebrava ontem sua queda 20 anos atrás. Os aplausos diante da Porta de Brandeburgo, símbolo da divisão da cidade, eram entusiastas. Dezenas de milhares de pessoas aguentavam com impermeáveis e guarda-chuvas a forte chuva e temperaturas abaixo de zero de capital alemã.

Convidados de 30 países participaram da comemoração, entre eles os representantes das potencias aliadas que ocuparam Berlim, após a II Guerra Mundial: o presidente russo, Dmitri Medvédev; o da França, Nicolas Sarkozy; o primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, e a secretaria de Estado dos EUA, Hillary Clinton.

A chanceler Angela Merkel presidiu a cerimônia. Tampouco faltaram protagonistas da época, como o Chefe de Estado da desaparecida União Soviética Mikhail Gorbachev, sentado na tribuna junto ao então ministro alemão de Assuntos Exteriores, Hans-Dietrich Genscher. O presidente alemão, Horst Köhler, se referiu ao 9 de novembro de 1989 como a data de "uma mudança de época para a liberdade e a democracia". O mundo, e nisso coincidiram todos, "mudou aquele dia".

A festa da liberdade começou em Berlim às sete da tarde. O centro da cidade estava adornado pelo falso muro de mais de mil peças de dominó feitas de cortiça branca, de dois metros e meio de altura, cada uma pintada de forma diferente. Sobre as peças primavam as mensagens de reconciliação e de alegria, mas também havia algum logotipo publicitário de empresas patrocinadoras.

É a lembrança da vitoria do sistema capitalista, que teve lugar neste mesmo dia há 20 anos. Ademais, os discursos de Merkel e do Prefeito-governador de Berlim, Klaus Wowereit, assim como as palavras do diretor da Staatskapelle, a orquestra da ópera estatal de Berlim, Daniel Barenboim, recordaram o acontecimento fúnebre cujo aniversario se recordou também ontem: o ‘pogrom’ anti-semita conhecido como a ‘Noite dos cristais quebrados’, em 1938, quando a turba nazista começou uma espiral de violência que culminaria no Holocausto. A Staatskapelle tocou para relembrar ‘Um sobrevivente de Varsóvia, do compositor judeu austríaco Arnold Schoenberg. "A liberdade", disse Merkel, "não surge sozinha, há que lutar por ela". Merkel, que cresceu na antiga República Democrática Alemã (RDA) sob "a ditadura do proletariado", agradeceu às pessoas que "lutaram há 20 anos" pela abertura do Muro, em Berlim e em outros países da órbita soviética como Polônia ey a antiga Checoslováquia. "Juntos pudemos tirar o Muro", concluiu, "agora está nossa mão superar as fronteiras de nosso tempo; se acreditamos nisso podemos conseguir". Merkel concluiu: "Para mim, foi um dos dias mais felizes da minha vida".

Barenboim havia aberto a festa com peças de Wagner, Schoenberg, Beethoven e Friedrich Gold, e anunciou uma surpresa: Plácido Domingo cantou Berliner Luft (O ar berlinense) do compositor de Berlim Paul Lincke, uma espécie de hino popular da cidade. O público compartilhou a alegria com a tribuna, onde Merkel, Genscher e os demais convidados demonstraram sua alegria batendo palmas. O público pediu a Plácido Domingo um bis, que concedeu junto à ‘Staatskapelle’. A satisfação dos berlinenses era palpável.

Antes que fizesse Merkel, falaram Dmitri Medvédev, Nicolas Sarkozy, Gordon Brown e Hillary Clinton, que apresentou uma felicitação gravada em vídeo do presidente dos EUA, Barack Obama. Obteve uma grande ovação.

O distrito político da capital alemã estava tomado. O Muro era ontem de gesso e pintado, porém os centos de policiais eram de verdade. Às seis e meia da tarde, as comitivas oficiais impediam a passagem dos cidadãos. Entre divertidos e curiosos, milhares de berlinenses especulavam nas calçadas sobre quem podia ocupar cada veículo. "Aí vai o russo, como se chama?", se perguntava Christiane, berlinense do Oeste. O desfile impressionava. Quando a caravana se deteve, um grupo de pessoas permanecia ainda junto a um furgão com dois atiradores de elite da policia, com os olhos postos nas miras telescópicas. "Serão de visão noturna", lhe dizia um homem a seu boquiaberto filho. Não muito longe, na ‘Luisenstrasse’, Marius e Catarina, nascidos em 1991, celebravam a queda do Muro refugiados com uma garrafa de sidra. Vivem em Potsdam, na antiga Berlim Leste. Ela é do Oeste; ele do Leste. Diferenças? "Alguma haverá, porém é coisa de nossos pais". O Muro somente conhecem através dos livros da escola.

quinta-feira, novembro 05, 2009

Vinte anos depois do Muro a historia continua


Vinte anos depois do Muro a historia continua

MIKHAIL GORBACHEV – El País - 05/11/2009

Tradução de Antonio de Freitas Jr.

Vinte anos se passaram desde a queda do Muro de Berlim, um dos símbolos vergonhosos da guerra fria e da perigosa divisão do mundo em blocos e esferas de influencia enfrentadas. O período atual nos permite observar aqueles acontecimentos e a formar uma opinião menos emocional e mais racional.

A primeira observação otimista é que o anunciado ‘fim da Historia’ em absoluto não se produziu. Porém, tampouco chegou o que os políticos de minha geração confiavam sinceramente que ocorreria: um mundo no qual, com o fim da guerra fria, a humanidade pudesse finalmente esquecer a aberração da corrida armamentista, dos conflitos regionais e das estéreis disputas ideológicas e entrar numa sorte de século dourado de segurança coletiva, uso racional dos recursos, fim da pobreza e da desigualdade e restauração da harmonia com a natureza.

Outra consequência é a interdependência de importantes aspectos que têm a ver com o sentido da existência da humanidade. Esta interdependência não se dá somente entre os processos e fatos que ocorrem nos diferentes continentes, mas também no vínculo entre as mudanças nas condições econômicas, tecnológicas, sociais, demográficas e culturais de milhares de milhões de pessoas. A humanidade começou a se transformar numa civilização única.

Ao mesmo tempo, a desaparição da chamada cortina de ferro e das fronteiras justapôs não somente àqueles países que até há pouco representavam diferentes sistemas políticos, mas também a diferentes civilizações, culturas e tradições.

Os políticos do século passado podem estar orgulhosos de haver evitado o perigo de uma guerra termonuclear. Contudo, para milhões de pessoas o mundo não se converteu num lugar mais seguro que antes. Inumeráveis conflitos locais e guerras étnicas e religiosas apareceram no novo mapa da política mundial. Uma prova evidente do comportamento irracional da nova geração de políticos é o fato de que os orçamentos de defesa de muitos países, grandes ou pequenos, são agora maiores que durante a guerra fria, assim como os métodos repressivos ainda são a forma geral para resolver conflitos e um aspecto comum e corrente das atuais relações internacionais.

Desafortunadamente, ao longo das duas últimas décadas o mundo não se tornou um lugar mais justo: as disparidades entre a pobreza e a riqueza inclusive se incrementaram, não somente nos países em desenvolvimento, mas também dentro das próprias nações desenvolvidas. Os problemas sociais da Rússia, como em outros países pós-comunistas, são uma prova de que o simples abandono de um modelo defeituoso de economia centralizada e de planificação burocrática não é suficiente para garantir tanto a competitividade do país numa economia globalizada, como o respeito pelos princípios da justiça social.

Devem-se acrescentar novos desafios. Um é o terrorismo, convertido na "bomba atômica dos pobres", não somente em sentido figurado, mas em sentido literal. A incontrolada proliferação das armas de destruição massiva, a competição entre os antigos adversários da guerra fria para alcançar novos níveis tecnológicos na produção de armas e a urgência de novos pretendentes em desempenhar um papel protagonista num mundo multipolar incrementa a sensação de caos que está afligindo à política global.

A verdadeira conquista que podemos celebrar é o fato de que o século XX marcou o fim das ideologias totalitárias, em particular as inspiradas em crenças utópicas. Porém, rápido tornou-se evidente que também o capitalismo ocidental, privado de seu velho adversário histórico e imaginando-se a si mesmo como o indiscutível ganhador histórico e a encarnação do progresso global podem conduzir a sociedade ocidental e o resto do mundo a um novo e abominável beco sem saída.

Neste quadro, a erupção da atual crise econômica revelou os defeitos orgânicos do presente modelo ocidental de desenvolvimento imposto ao resto do mundo como o único possível. Assim mesmo, demonstra que não somente o socialismo burocrático, mas também o capitalismo ultraliberal tem a necessidade de uma profunda reforma democrática e da aquisição de um rosto humano, uma sorte de ‘Perestróica’ própria.

Hoje em dia, enquanto deixamos para trás as ruínas da velha ordem, podemos pensar em nós mesmos como ativos participantes do processo de criação de um mundo novo. Muitas verdades e postulados considerados indiscutíveis (tanto no Leste como no Oeste) deixaram de sê-lo. Entre eles estavam a fé cega no todo poderoso mercado e, sobretudo, em sua natureza democrática. Havia uma arraigada crença de que o modelo ocidental de democracia podia ser difundido mecanicamente em outras sociedades cujas experiências históricas e tradições culturais fossem diferentes. Na situação presente, inclusive um conceito como o de progresso social, que parece ser compartilhado por todos, necessita uma informação mais precisa e uma redefinição.

Mikhail Gorbachev, líder da União Soviética no período 1985/1991, é Premio Nobel da Paz 1990 e presidente do World Political Forum (WPF). © IPS (Inter Press Service).

terça-feira, novembro 03, 2009

A justiça argentina coloca o ditador Bignone no banco dos réus


A justiça argentina coloca o ditador Bignone no banco dos réus

O general repressor é acusado de destruir os arquivos do regime militar

ALEJANDRO REBOSSIO - Buenos Aires – El País - 03/11/2009

Tradução de Antonio de Freitas Jr.

O último ditador da Argentina, Reynaldo Bignone (1982-1983), foi submetido ontem (02/11), pela segunda vez em sua vida, a julgamento pelos sequestros, torturas e desaparições de presos políticos. Bignone foi o general que assumiu o poder depois da derrota argentina na guerra contra o Reino Unido pelas Ilhas Malvinas e quem não teve outra opção que abrir a transição democrática. Contudo, no meio de tudo isso, destruiu os arquivos sobre as detenções e assassinatos cometidos pelo regime militar (1976-1983) e promulgou uma falida lei de anistia para os responsáveis pelo terrorismo de Estado que se exerceu contra guerrilheiros, políticos, militantes sociais e de direitos humanos, sindicalistas, empresários e religiosos. Seu governo foi o primeiro a reconhecer que os desaparecidos estavam mortos, ainda que contou "somente 8.000", frente aos 30.000 que denunciavam as organizações de direitos humanos.

O julgamento que começou ontem (02/11) no Tribunal Oral Federal número 1 de ‘San Martín’, um subúrbio do noroeste de Buenos Aires, é o segundo em que se julga por crimes cometidos nos centros de detenção clandestina que operavam no regimento de ‘Campo de Mayo’ e por onde passaram 5.500 pessoas. Bignone, de 81 anos, que cumpre prisão preventiva domiciliar, será julgado junto a outros sete octogenários integrantes das forças de segurança por 56 delitos de invasão de domicílio, sequestros, torturas, desaparições e homicídios entre 1976 e 1978. Antes de ser presidente de fato da Argentina, Bignone foi o segundo comandante do Comando de Institutos Militares, em ‘Campo de Mayo’, em 1977.

No banco dos réus se sentarão três militares que já foram condenados pelo mesmo tribunal em agosto, no que foi o primeiro julgamento da chamada ‘megacausa de Campo de Mayo’. Trata-se do comandante de Institutos Militares, Santiago Riveros, e dos agentes de segurança Fernando Verplaestsen e Jorge García, que foram sentenciados a cadeia perpétua, a 25 e 18 anos de prisão, respectivamente. Também serão julgados neste novo julgamento os militares Carlos Tepedino e Eugenio Guañabens Perelló, além do policial Germán Montenegro.

Uma das vítimas dos delitos apontados é o operário Héctor Ratto, que pertencia ao comitê de empresa da Mercedes-Benz. A automotora alemã, como outras empresas multinacionais e argentinas, é acusada de denunciar ao regime os seus empregados com militância sindical, que acabaram desaparecidos.

Ao regressar a democracia, durante o governo de Raúl Alfonsín (1983-1989), Bignone foi julgado culpado pelos delitos cometidos no ‘Campo de Mayo’, porém não foi preso graças às leis de perdão que promoveu o líder radical para diminuir as condenações da junta militar que encabeçou o golpe de Estado de 1976. Essas leis foram declaradas inconstitucionais pela Corte Suprema em 2005. Proximamente, também deverá comparecer como acusado em outros dois julgamentos pelas desaparições de jovens que cumpriam o serviço militar e de médicos e enfermeiros que supostamente atendiam a guerrilheiros.

Após a frustrada tentativa de recuperar as Malvinas, que custou a vida de 900 militares de ambos os lados em dois meses de guerra, as Forças Armadas da Argentina, debilitadas também pelas denuncias internacionais sobre a repressão ilegal e a crise econômica latino-americana, designaram a Bignone como encarregado da transição à democracia. Em seu primeiro discurso público prometeu eleições para princípios de 1984, que finalmente foram adiantadas para outubro de 1983 e nas quais venceu Alfonsín. O Congresso eleito pelo povo anulou a anistia de Bignone.