A justiça argentina coloca o ditador Bignone no banco dos réus
O general repressor é acusado de destruir os arquivos do regime militar
ALEJANDRO REBOSSIO - Buenos Aires – El País - 03/11/2009
Tradução de Antonio de Freitas Jr.
Tradução de Antonio de Freitas Jr.
O último ditador da Argentina, Reynaldo Bignone (1982-1983), foi submetido ontem (02/11), pela segunda vez em sua vida, a julgamento pelos sequestros, torturas e desaparições de presos políticos. Bignone foi o general que assumiu o poder depois da derrota argentina na guerra contra o Reino Unido pelas Ilhas Malvinas e quem não teve outra opção que abrir a transição democrática. Contudo, no meio de tudo isso, destruiu os arquivos sobre as detenções e assassinatos cometidos pelo regime militar (1976-1983) e promulgou uma falida lei de anistia para os responsáveis pelo terrorismo de Estado que se exerceu contra guerrilheiros, políticos, militantes sociais e de direitos humanos, sindicalistas, empresários e religiosos. Seu governo foi o primeiro a reconhecer que os desaparecidos estavam mortos, ainda que contou "somente 8.000", frente aos 30.000 que denunciavam as organizações de direitos humanos.
O julgamento que começou ontem (02/11) no Tribunal Oral Federal número 1 de ‘San Martín’, um subúrbio do noroeste de Buenos Aires, é o segundo em que se julga por crimes cometidos nos centros de detenção clandestina que operavam no regimento de ‘Campo de Mayo’ e por onde passaram 5.500 pessoas. Bignone, de 81 anos, que cumpre prisão preventiva domiciliar, será julgado junto a outros sete octogenários integrantes das forças de segurança por 56 delitos de invasão de domicílio, sequestros, torturas, desaparições e homicídios entre 1976 e 1978. Antes de ser presidente de fato da Argentina, Bignone foi o segundo comandante do Comando de Institutos Militares, em ‘Campo de Mayo’, em 1977.
No banco dos réus se sentarão três militares que já foram condenados pelo mesmo tribunal em agosto, no que foi o primeiro julgamento da chamada ‘megacausa de Campo de Mayo’. Trata-se do comandante de Institutos Militares, Santiago Riveros, e dos agentes de segurança Fernando Verplaestsen e Jorge García, que foram sentenciados a cadeia perpétua, a 25 e 18 anos de prisão, respectivamente. Também serão julgados neste novo julgamento os militares Carlos Tepedino e Eugenio Guañabens Perelló, além do policial Germán Montenegro.
Uma das vítimas dos delitos apontados é o operário Héctor Ratto, que pertencia ao comitê de empresa da Mercedes-Benz. A automotora alemã, como outras empresas multinacionais e argentinas, é acusada de denunciar ao regime os seus empregados com militância sindical, que acabaram desaparecidos.
Ao regressar a democracia, durante o governo de Raúl Alfonsín (1983-1989), Bignone foi julgado culpado pelos delitos cometidos no ‘Campo de Mayo’, porém não foi preso graças às leis de perdão que promoveu o líder radical para diminuir as condenações da junta militar que encabeçou o golpe de Estado de 1976. Essas leis foram declaradas inconstitucionais pela Corte Suprema em 2005. Proximamente, também deverá comparecer como acusado em outros dois julgamentos pelas desaparições de jovens que cumpriam o serviço militar e de médicos e enfermeiros que supostamente atendiam a guerrilheiros.
Após a frustrada tentativa de recuperar as Malvinas, que custou a vida de 900 militares de ambos os lados em dois meses de guerra, as Forças Armadas da Argentina, debilitadas também pelas denuncias internacionais sobre a repressão ilegal e a crise econômica latino-americana, designaram a Bignone como encarregado da transição à democracia. Em seu primeiro discurso público prometeu eleições para princípios de 1984, que finalmente foram adiantadas para outubro de 1983 e nas quais venceu Alfonsín. O Congresso eleito pelo povo anulou a anistia de Bignone.