quarta-feira, setembro 22, 2010

Lula se apodera da campanha


Lula se apodera da campanha

O Presidente brasileiro é a estrela dos atos de sua herdeira, Dilma Roussef

SOLEDAD GALLEGO-DÍAZ - São Paulo - El País - 21/09/2010

Tradução de Antonio de Freitas

"Luuu-la", "Diiil-ma", assim, nesta ordem, cantam os milhares de presentes nos comícios da candidata do Partido dos Trabalhadores (PT) em todo Brasil. O Presidente Luiz Inácio Lula da Silva tenta fazer com que sua herdeira ganhe no próximo dia 3 de outubro sem necessidade do segundo turno (as últimas pesquisas a mantêm com 51%), e se empenha à fundo nos últimos 15 dias para conseguir. Vendo-os juntos pelo palanque em Campinas (no Estado de São Paulo, feudo de José Serra, seu principal rival, com 25%) se compreende muito bem a importância desse apoio e as razões das queixas da oposição. Lula é realmente o protagonista desta campanha eleitoral e está convertendo cada ato numa clamorosa despedida, com sua correspondente exigência de afeto.

Os brasileiros adoram Lula e Lula, o sindicalista que governou este país durante oito anos com um sucesso deslumbrante, adora os banhos de massas. A Dilma Rousseff, pelo contrario, uma economista de 62 anos, com antecedentes de guerrilheira leninista, é muito mais difícil aceitar as demonstrações de carinho ou reprimir o gesto de cansaço. Tem, contudo, a voz muito boa e aprendeu a realizar bons comícios. Inclusive dança nos palanques (apesar de uma torção lhe obrigar a usar uma bota ortopédica), porém, por muito que se esforce, nunca consegue a arrasadora naturalidade do atual Presidente. "Luuuu-la", gritam seus seguidores e "Luuuu-la", grita ela mesma sem parar.

"Ganhar no primeiro turno seria uma surpresa, com certeza. Não creio que o Partido dos Trabalhadores acreditasse há poucos meses num sucesso tão grande", reconhece uma das assessoras da candidata presidencial. A verdade é que o PT nem sequer considerou que Dilma fosse a melhor candidata possível. Trata-se de uma aposta pessoal de Lula. Rousseff era ministra de Energia quando o presidente decidiu chamá-la para ocupar o influente cargo de Chefe da Casa Civil e acabar, assim, na disputa entre aqueles que se consideravam possíveis sucessores e queriam se situar nas portas da presidência. Dilma foi aceita exatamente como uma solução "neutra" porque ninguém suspeitava, nem remotamente, que tivesse semelhantes aspirações.

"É injusto que se diga que toda a campanha é Lula", se queixa uma colaboradora de Dilma. "O mérito dela é muito grande: nos debates e nos espaços televisivos soube demonstrar que é séria, capaz, uma alternativa crível. Ganhou algum debate com mais de 56% dos espectadores consultados. Sem tudo isto, o apoio de Lula seria insuficiente", assegura.

Lula primeiro tentou apresentá-la como "a mãe" dos brasileiros, porém como esse papel não lhe cai bem, com toda certeza, a esta enérgica mulher, agora insiste mais em apresentá-la como a pessoa com quem ele mesmo aprendeu a governar. "Foi ela que me ajudou a fazer um Brasil melhor", proclama.

Ademais, Lula percebeu, rapidamente, que se convertesse a campanha eleitoral numa formidável campanha de despedida, seu partido, o PT, poderia, talvez, conquistar novas esferas de poder, distritos e cadeiras que não estiveram até agora a seu alcance. E a verdade é que se lançou nessa tarefa com paixão, confiando quase exclusivamente em suas próprias forças.

A imagem de Dilma Rousseff, filha de um comunista búlgaro que emigrou e de uma professora brasileira, mudou substancialmente no último ano. Tem uma filha, Paula, e um neto (Gabriel, que nasceu há menos de um mês), e superou há pouco um câncer linfático, que foi, talvez, o que mais a animou a mudar o visual. Agora está com o cabelo muito mais curto e desapareceram os óculos e algumas rugas (não todas, afortunadamente).

"Claro que Dilma não pode aspirar aos mesmos níveis de popularidade de Lula. Nem lhe passou pela cabeça. Porém, se enganam aqueles que acreditam que será uma marionete de Lula e do PT", assegura sua colaboradora. Quem lhe rodeia destaca mais sua capacidade para dizer ‘não’, que sua simpatia. Dilma vai ter que enfrentar, assim que ganhar, um problema muito sério, a corrupção que pôde lhe rodear nestes últimos anos na Casa Civil, que ela dirigiu desde 2005. Erenice Guerra, que se viu obrigada a demitir-ser por possível tráfico de influências, não era uma simples colaboradora, mas sua autêntica mão direita, durante muito tempo. "A investigação judicial deve seguir adiante", reclama, sossegada e inflexível, Marina Silva, do Partido Verde.

Nos comícios, Dilma se desvia desses ataques, mas sua mensagem principal não gira em torno a seu trabalho, e sim em torno de Lula e seu legado. Em Campinas, foi Lula quem respondeu com fúria às acusações de corrupção ao seu redor: a imprensa é mentirosa, a oposição, brutal, o DEM (partido de centro-direita) deve ser "erradicado". A cólera de Lula soou terrível, (o cantor Caetano Veloso, próximo dos Verdes, chegou depois a chamar-lhe inclusive de "golpista"), mas o presidente detectou rapidamente o ambiente festivo do comício e voltou rapidamente aos elogios. "Prestem atenção. Ela tem um coração eficaz e bonito", brincou, enquanto se aproximava por detrás e a abraçava carinhosamente. Luuu-la, gritavam milhares de brasileiros, encabeçados por Dilma Rousseff.