terça-feira, dezembro 28, 2004

Amigos de hoje e de sempre



Para o Josélio,
amigo de todas as horas,
irmão de sempre.

Eu sempre fui um homem de muitos amigos. Sim, tive muita sorte na amizade. Tive amigos de todos os tipos, baixinhos, altos, gordos, magros, brancos, negros, amarelos, vermelhos, ricos, pobres, casados, solteiros, velhos, jovens, e bêbados, principalmente na adolescência. Creio que cada um deles estará se identificando ao ler esse texto. O digo que já tive porque atualmente descobri que a verdadeira amizade é algo raro, especial e muito, mas muito mesmo, difícil. Não que eu tenha sofrido grandes decepções, causadas pelos meus amigos, mas porque a verdadeira amizade amadurece com o passar do tempo e se purifica como um bom destilado.

Alguns conheci na infância, e para ser mais exato no jardim-de-infância. Mas tarde, reconquistaram-me na idade adulta, sem nunca perder a inocência de estar bem na minha companhia sem nada me cobrar. Sem nada exigir além do bom papo no cafezinho apressado do meio-dia. Outros, conheci na idade adulta, no meio das infindáveis obrigações sociais e pelos caminhos insondáveis da providência. São amigos novos com quem desfruto de alegre camaradagem e confiança, como se nos conhecêssemos desde sempre. São forças novas que me ajudam na difícil tarefa de viver. Sem saber nada deles eu não poderia continuar a ser o que eu sou.

Existem também amigos fundamentais, que me ajudaram em momentos de grande necessidade e solidão, em terras distantes, que se mostraram verdadeiramente amigos sem nada almejar. São anjos da guarda reais, verdadeiros espíritos de luz no meio da escuridão das dificuldades humanas.

Mas nada é pior que os velhos amigos, esses amigos de toda vida, que nos conhecem mais que nós mesmos e sabem de todo, mais todo mesmo, o nosso passado. Sabem de todos os nossos erros infantis e de todas as nossas ressacas morais. Esses amigos deveriam ser trancados num baú, pra abrir somente em caso de um ataque nuclear. São piores que uma dor de barriga numa festa de quinze anos. São tão verdadeiros e sem nenhum critério de sensatez que nos deixam de cara no chão diante de todos. Por todas essas qualidades, não há nada mais ridículo que os velhos amigos. Por outro lado, os velhos amigos são a única coisa que podemos imaginar como uma família, mesmo não o sendo. Os velhos amigos representam o sal de toda amizade.

Otto Lara Resende, um mineiro que entendia muito de amizade, escreveu certa vez seu método de escolha da amizade: “Meus amigos são todos assim: metade loucura, outra metade santidade. Escolho-os não pela pele, mas pela pupila, que tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante. Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo”.

O grande poeta Fernando Pessoa, não se referindo aos amigos mais sim aos “conhecidos”, o que representa uma grande diferença, afirmou, com sua grafia lusitana da época, no seu “Poema em linha recta”: “Nunca conheci quem tivesse levado porrada. Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo. (...) Toda a gente que eu conheço e que fala comigo, nunca teve um acto ridículo, nunca sofreu enxovalho, nunca foi senão príncipe – todos eles príncipes – na vida...” Para concluir: “Quem me dera ouvir de alguém a voz humana que confessasse não um pecado, mas uma infâmia; Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia! Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam. (...) Arre, estou farto de semideuses! Onde é que há gente no mundo? Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?”

Jorge Amado escreveu no seu “Navegação de cabotagem” que levava dentro de si um cemitério particular, onde enterrava aqueles que haviam traído sua confiança, “na cova rasa da salafrarice”. Era o único lugar onde poderia depositar essas infames pessoas, sem deixar de cumprimentá-las ao encontrar, nem lhes negar um aperto de mão. Mas que fique bem claro, que ao proceder desta maneira, elas já estavam mortas e enterradas. Quanta sabedoria tinha Jorge Amado.


Eu, por minha parte, tenho amigos de todos os tipos. Alguns estão mortos e enterrados, mas não sabem. Outros são campeões em tudo, sem nunca terem cometido uma atitude vil, e os por isso mesmo os desprezo do fundo do meu peito. A maioria deles, para minha sorte, são como os amigos do Otto Lara. São loucos e sérios, metade bobeira e metade seriedade, e fazem de mim louco e santo. São pessoas, como diria Jorge Luis Borges, que não se levam a sério demasiado e por isso mesmo podem sorrir de si mesmas e dos outros. São amigos, e isto basta.

segunda-feira, dezembro 20, 2004

A busca da felicidade



Yo no necesito tiempo
Para saber cómo eres:
Conocerse es el relámpago.
(...)
eres tan antigua mía,
te conozco tan de tiempo,
que en tu amor cierro los ojos,
y camino sin errar,
a ciegas, sin pedir nada
a esa luz lenta y segura.

Pedro Salinas,
em “La voz a ti debida”, 1933.


A felicidade sempre foi a meta de todos os seres humanos, dos mais cultos aos mais ignorantes. E os diferentes modelos e fórmulas para se encontrar a felicidade acompanharam o homem em toda sua trajetória, nos mais diversos momentos e lugares. Muitos já escreveram sobre a felicidade. Rubens Ricupero, em memorável artigo publicado na Folha de São Paulo de 4 de janeiro de 2004, traça um maravilhoso levantamento histórico e literário da felicidade ao longo dos tempos. Como afirmou o filósofo Ortega y Gasset, “o programa da vida feliz quase não variou ao largo da vida humana”.

Sempre me fascinou na Declaração de Independência dos EUA, a afirmação do direito de buscar a felicidade. Esse texto, de 4 de julho de 1776, declara: “Consideramos 'de per si' evidentes as verdades seguintes: que todos os homens são criaturas iguais; que são dotados pelo seu Criador com certos direitos inalienáveis; e que, entre estes, se encontram a vida, a liberdade e a busca da felicidade”. A expressão é atribuída a Thomas Jefferson, mas era idéia comum naquela época de que a primordial função do bom governo seria a de cuidar da vida e da felicidade humanas.

Antes porém, na Declaração de Direitos de Virgínia, de 16 de junho de 1776, já se afirmava esta função estatal, ao lado do direito de rebelião: “O governo existe e deve existir para o bem comum, a proteção e a segurança do povo, nação ou comunidade; de todos os modos e formas de governo o melhor é o que é capaz de produzir a maior grau de felicidade e segurança e está mais efizcamente organizado contra o perigo de má administração; e, sempre que qualquer governo se mostre inadequado ou contrário a estes fins, a maioría da comunidade tem o direito incontestável, inalienável e irrevogável de o reformar, modificar ou abolir da maneira que for julgada mais conducente à felicidade geral”. Norberto Bobbio, no seu “Dicionário de Política”, afirma que a felicidade pública “é o valor mais invocado pela ética utilitarista, definido classicamente por J. Bentham como 'a maior felicidade para a maioria'”.

A busca da felicidade humana era um dos temas recorrentes da filosofia socrática, e muitos de seus discípulos elaboraram escolas filosóficas que partiram das interpretaçöes de seus ensinamentos. Assim, encontramos esta preocupação tanto em Platão, quanto em Aristóteles – que no livro “Ética a Nicômano” percorre vários caminhos para esclarecer o tema da felicidade. Mas é no pensamento dos cínicos, epicureus e estóicos que encontramos o maior destaque sobre o tema. Para os cínicos, “a verdadeira felicidade não depende de fatores externos como o luxo, o poder político e a boa saúde. Para eles, a verdadeira felicidade consistia em se libertar dessas coisas casuais e efêmeras. E justamente porque a felicidade não estava nessas coisas ela podia ser alcançada por todos. E, uma vez alcançada, não podia mais ser perdida”. Os estóicos, aproveitando muito do pensamento cínico, acreditavam que a felicidade, como tudo que acontece na vida humana, não depende do homem, e sim das imutáveis leis naturais. Diante de tal atitude, ao homem caberia, tão somente, aceitar com tranquilidade o que o destino lhe trouxer. Diferentemente dos estóicos, os epicureus acreditavam na possibilidade do homem planejar sua vida. A felicidade estaria nos prazeres da vida, entendendo estes não apenas como a satisfação pelos sentidos. Epicuro afirmou que “aquele que não considera o que tem como a riqueza maior, é um infeliz, mesmo que seja dono do mundo”. Por fim, Sêneca afirmava que “felicidade é não necessitar dela”.

Na idade moderna, Rosseau, mesmo não definindo a felicidade, não duvida que todos os seres humanos a buscam. Na sua obra “Emílio”, por exemplo, afirma que a felicidade está para além de nós, sendo melhor nos contentarmos e acomodarmos. Mas arremata: “É necessário ser feliz, caro Emílio: é o fim de todo ser sensível; é o primeiro desejo que nos imprime a natureza e o único que não nos abandona jamais”.

Montesquieu escreveu: “se nos bastasse com ser felizes, logo o conseguiríamos; mas queremos ser mais felizes que os demais, e isso é muito difícil, tanto mais quanto que consideramos àqueles muito mais felizes do que em realidade são”. Para Voltaire “a felicidade nos espera em algum lugar, com a condição de não irmos buscá-la”. Goethe afirma que “somente é feliz e grande aquele que para chegar a ser algo não necessita nem mandar nem obedecer”.

Para Flaubert, a felicidade estava em “ser burro, egoísta e ter boa saúde”, sendo que tudo estaría perdido se nos faltasse a primeira condição. Outro não é o pensamento de Leopardi ao afirmar que “a felicidade está na ignorância da verdade” e de Anatole France ao escrever que “a vida nos ensina que não podemos ser felizes senão ao preço de certa ignorância”. Enfim, como afirmou o filósofo Fernando Savater, “nunca esteve totalmente esclarecido se o segredo da felicidade consiste ou não em ser completamente imbecil”.

Para Hegel, felicidade é a “busca do reconhecimento e aprovação dos outros, do aplauso e do elogio de nossos semelhantes”. Para Saint-Just, revolucionário francês, a felicidade era “um arado, um campo e uma choupana ao abrigo do fisco”. O escritor estadunidense Mark Twain escreveu que “se um homem nasceu com um caráter não dotado para a felicidade, nada lhe pode fazer feliz; se nasceu para ser feliz, nada lhe pode fazer desgraçado”. Para Emerson, “a felicidade consiste em preencher as horas e não deixar um resquício para que penetre o arrependimento ou a a provação”. Lord Byron, por sua vez, disse que “sempre se interpöe algo entre nós e o que creemos nossa felicidade”. Para Nietzsche, “a felicidade do homem tem por nome: Eu quero”.

A religião também nos ensina os caminhos da felicidade. Para santo Agostinho o homem, criado para Deus, somente nele encontraia repouso. São Francisco ensina que a perfeita alegría “é ser vilipendiado, rejeitado, espancado pelos seus, atirado à neve, com fome e frio”. Buda, considerando que a velhice, a dor, a doença e a morte são inevitáveis, afirmou que “o melhor é buscar o nirvana, a extinção, o apagar de todo desejo e da consciência individual”. O jesuíta espanhol Baltasar Gracián, autor de “A Arte da Prudência”, publicado em 1647, escreveu: “A virtude é o elo de todas as perfeiçöes, é o centro da felicidade. Ela torna o homem prudente, discreto, sagaz, sábio, valente, moderado, íntegro, feliz, digno de aplauso, verdadeiro, ou seja, um herói em tudo. Três 'esses' trazem a felicidade: sábio, são e santo”.

O pensador britânico Bertrand Russel, no seu livro “A conquista da felicidade”, afirma que “o homem feliz é o que vive objetivamente, o que é livre em seus afetos e tem amplos interesses, o que se assegura a felicidade por meio destes interessses e afetos que, por sua vez, o convertem a ele em objeto do interesse e o afeto de muitos outros. Que outros te amem é uma causa importante de felicidade”.

Mas, em matéria de felicidade, nada melhor que ouvir a opinião dos poetas. O grande poeta da América, Walt Whitman, louvando o momento presente escreveu: “A felicidade, o conhecimento, não estão noutro lugar, senão neste, não em outro momento, senão neste”.

Por tudo, o momento de ser feliz é agora. Não amanhã, ou depois. Desejo a todos meus heróicos leitores muitas felicidades neste Natal e meus melhores desejos para o ano que se aproxima. Que a felicidade esteja hoje em cada um de nós, com todos os seus sintomas, com todo o desejo de cantar na chuva, de dizer olá pro inimigo e sorrir de todos os nossos medos infantis. E que nossa caminhada na busca da felicidade seja muito bem acompanhada, porque “é impossível ser feliz sozinho”. Quanto a mim, vale os versos do poeta chileno Pablo Neruda, nas “Odes elementales”: “Desta vez me deixa ser feliz. Nada aconteceu a ninguém, não estou em parte alguma, simplesmente sucede que sou feliz pelos quatro costados do coração, andando, dormindo ou escrevendo. O que eu posso fazer, sou feliz”.

quarta-feira, dezembro 08, 2004

O "chakra"de Bhopal

O homem e sua segurança
devem constituir a preocupação fundamental
de toda aventura tecnológica.
Nunca se esqueçam disto
quando estiverem metidos
nos seus planos e equações.

Albert Einstein

Era meia-noite, de 2 de dezembro de 1984, quando um vazamento de gases tóxicos da multinacional estadunidense Union Carbide matou entre dezesseis e trinta mil pessoas, além de ferir mais de quinhentas mil, na cidade de Bhopal, capital do estado de Madhya Pradesh, na Índia. As nuvens brancas da morte despertaram os habitantes de Bhopal para seu pior pesadelo e transformaram aquela localidade outrora denominada “cidade da alegria” numa cidade de funerais. A roda do destino, a “chakra”, havia definitivamente parado em Bhopal.

Vinte anos depois daquela trágica noite de domingo, a contaminação provocada pelo vazamento - cujo principal componente era o MIC (Isocianato de metila), altamente explosivo acima de zero grau centígrado e usado na produção do agrotóxico Sevin - continua arruinando as vidas de milhares de pessoas pobres, vítimas indefesas da ganância e irresponsabilidade da indústria química. É o que se acostumou denominar de “injustiça ambiental”. Filhos de pessoas que inalaram o composto letal tiveram seu crescimento atrofiado. A taxa de aborto na região é sete vezes maior que a média da Índia. Em Bhopal, até hoje o número de pacientes com problemas respiratórios, câncer de pulmão e outras doenças crônicas é maior que em qualquer outra parte daquele país.

A Union Carbide pagou US$ 470 milhões ao governo da Índia em 989, dos quais US$ 330 milhões continuam retidos nos cofres estatais. Estima-se que a batalha judicial contra a empresa lhe obrigaria a pagar US$ 30 bilhões a título de indenização às vítimas, enquanto seu patrimônio era estimado em 1983 sobre os US$ 10,3 bilhões. Os acionistas da empresa também entraram na justiça americana com uma demanda estimada em quase US$ 1 bilhão, pela queda de 29% no valor das ações da multinacional depois do acidente. Todavia seguem esperando por conclusão demandas judiciais nos EUA e na Índia.

As tragédias também trazem seu lado paradoxal. Vinte anos depois do maior acidente químico da história, a BBC entrevistou a um falso porta voz da empresa Dow Chemicals, atual proprietária da Union Carbide, anunciando a responsabilidade da empresa sobre as indenizações, prometendo a criação de um fundo milionário para ressarcimento das vítimas. Tudo não passou de um engano, pois a empresa informou que não possui nenhum empregado com o nome de Jude Finisterra. Nova angústia para as vítimas que esperam há anos por uma indenização que cubra pelo menos com os gastos médicos.

O incidente de Bhopal ocorreu duas semanas depois da morte de quase quinhentas pessoas na localidade mexicana de San Juanico, vítimas de um acidente químico. No início deste mês ao redor de cinco mil pessoas foram retiradas às pressas da cidade chinesa de Qujing, depois de um vazamento de gás natural na região. Entretanto, o maior acidente com gás na China ocorreu em dezembro de 2003, quando várias explosões provocaram grandes nuvens de gás e mataram 243 pessoas na província de Chongqing, no Sudoeste do país.

A Union Carbide abandonou Bhopal há dezesseis anos. Deixou para trás milhares de toneladas de produtos químicos que contaminaram a água da cidade, que apresenta atualmente nível de contaminação quinhentas vezes maior que o máximo recomendado pela Organização Mundial da Saúde – OMS. A empresa se foi. Ficou a desgraça daqueles que nunca tiveram nada, além da esperança. Deviam estar loucos todos aqueles deuses envelhecidos da Índia, deviam estar...

terça-feira, novembro 30, 2004

A raposa e a rainha



Que a Inglaterra é um país repleto de tradições e excentricidades todo mundo está cansado de saber. A pompa e fleuma britânica despertam o desprezo e a inveja de muitos. Algumas tradições inglesas, como a caça à raposa com cães, existem a mais de trezentos anos. A Rainha da Inglaterra caça e esta prática se estende por toda a família real britânica.

Por tudo isso, a Inglaterra vive nos últimos meses um debate incompreensível para o restante do planeta, imerso em questões bem mais terrenas como a subida do preço do petróleo, a guerra do Iraque e a reeleição do Presidente Bush. O debate sobre a entrada em vigor em fevereiro de 2005 de uma lei proposta pelo Partido Trabalhista, do primeiro-ministro Tony Blair, proibindo definitivamente a caça à raposa com cães, além de outros animais silvestres. Blair trava uma cruzada pelo politicamente correto em matéria de defesa dos animais, tendo recentemente chegado ao absurdo de inaugurar, no centro de Londres, um monumento aos animais mortos em guerras.

A polêmica sobre a caça à raposa com cães possui diversos matizes, desde cada posição ocupada pelos interessados. As primeiras tentativas de proibição da caça à raposa são de 1949 e nos anos setenta a discussão girava em torno da utilidade da caça para controlar a espécie, argumento abandonado depois que pesquisas comprovaram sua pouca solidez. Foi quando os defensores da caça passaram a considerar a importância econômica da mesma. Segundo estes, entre seis e oito mil pessoas trabalham diretamente na caça de raposas com cães.

Atualmente, o debate se encontra no campo das liberdades civis e na solução da questão: é ou não um assunto do Estado interferir numa pratica social e cultural de uma minoria da população?

Vale ressaltar que o principal argumento dos defensores da proibição de caçar raposas é que o uso dos cães causa um sofrimento sem sentido, sendo melhor matá-las a tiros que a dentadas. Assim, a proibição desta forma de caça à raposa, ou seja, com cães, não implica na proibição total de caça deste animal, que não corre risco de extinção na Inglaterra.

A “Aliança Camponesa”, um poderoso lobby de caçadores, considera que por trás do problema está um verdadeiro enfrentamento entre o campo e a cidade, no qual a maioria urbana ofende a uma minoria rural incompreendida. De acordo com esta associação, existe um movimento de desobediência civil a caminho, pois mais de cinqüenta mil pessoas já firmaram uma declaração de que desobedecerão a lei.

Para o Professor Neil Ward, da Universidade de Newcastle, especialista em conflito e mudança social na sociedade rural, "o enfrentamento político em torno a caça é na realidade um choque entre as idéias sobre a sociedade moderna e a sociedade tradicional que se acentuou com a chegada dos trabalhistas ao poder em 1997”. Assim, de acordo com este posicionamento, os políticos de direita, ou “tories”, possuem o interesse de conservar o passado, principalmente conservar os aspectos tradicionais da identidade nacional e rural inglesa, enquanto que os trabalhistas são mais identificados com a modernização e com a reforma das instituições tradicionais.

Outros argumentam que tudo não passa de uma maneira de acabar com “o deleite da classe alta”, pois historicamente a caça à raposa esta associada a classe alta latifundiária. No que discorda o Professor Garry Marvin, antropólogo e sociólogo da Universidade de Roehampton, que estuda a caça à raposa há dez anos. Para ele, não existem evidências de que apenas os ricos caçam e que os motivos para a prática da caça vão desde a tradição, o amor à paisagem, o contato com os cavalos até uma relação emocional profunda com o campo. E conclui: “A caça à raposa não tem nada que ver com o prazer de matar raposas. Isso seria como afirmar que os espanhóis vão às touradas pelo prazer de ver matar o touro. Isso, em absoluto, não é o caso. Os touros morrem nas touradas, as raposas morrem na caçada, mas é a maneira na qual se relacionam o toureiro com o touro e os caçadores com as raposas o que faz a singularidade destes acontecimentos”.

Para muitos, este debate será apenas mais uma excentricidade britânica, um povo que já possuiu um império fantástico que civilizou povos e destruiu culturas. Para outros, será tão somente a eterna disputa entre a cidade e o campo, a modernidade e a tradição, entre o novo que luta pra nascer e o velho que teima em não desaparecer.

sexta-feira, novembro 12, 2004

Oriente Médio II















A primeira Antifada – manifestações de jovens palestinos nos territórios ocupados por Israel onde estes enfrentavam os tanques israelenses com pedras – dá início em dezembro de 1987. Mais de vinte mil pessoas entre mortos e feridos. Era o início da “rebelião das pedras”.

Em 16 de abril de 1988, Israel assassina o numero dois da hierarquia da OLP em Tunis, na Tunísia. Em 15 de novembro de 1988 nasce a Autoridade Nacional Palestina – ANP, tendo por Presidente Yasser Arafat.

Terminada a Guerra do Golfo, em outubro de 1991, inicia sob os auspícios estadunidenses a Conferência de Madri, com representantes de Israel, Palestina, Síria, Jordânia e Líbano.

Em 13 de setembro de 1993, Isac Rabin e Arafat firmam os Acordos de Oslo na Casa Branca, onde Israel reconhece a Organização para Libertação da Palestina - OLP como representante da causa palestina, dando alguma autonomia à Autoridade Nacional Palestina – ANP, e os palestinos renunciam a direitos sobre territórios. Dando cumprimento aos Acordos de Oslo, Israel e a OLP se reúnem na Conferencia do Cairo, em maio de 1994, para agendar a retirada militar de 60% do território de Gaza e conceder autonomia palestina em Jericó.

Em 1º de julho de 1994, Arafat retorna a Gaza e assume como Presidente da Autoridade Nacional Palestina – ANP, tendo por capital a cidade de Jericó.

Israel firma a Paz com a Jordânia em outubro de 1994, pondo fim a uma guerra que durara 46 anos.

Em setembro de 1995, Isac Rabin e Arafat firmam a ampliação da autonomia palestina em Gaza e Cisjordânia, bem como a realização das primeiras eleições palestinas, vencidas por Arafat em abril de 1996. No dia 4 de novembro de 1995, o primeiro-Ministro israelense Isac Rabin é assassinado por um judeu ultra-ortodoxo, sendo sucedido por Shimon Peres.

Assume como Primeiro-Ministro israelense Bejamin Netanyahu, de direitas, em 31 de maio de 1996. Em deu mandato – de pouco menos de três anos - Israel entrega aos palestinos 80% da cidade de Hebrón (janeiro de 1997), mas completa o cerco do setor ocupado de Jerusalém com mais um assentamento judeu, o de “Har Homa”. Em outubro de 1998, se firma o Acordo de Wye, pelo qual Israel pactuou a retirada de suas tropas de 12% do território da Cisjordânia e a libertação de 350 presos palestinos, desde que a luta armada ficasse suspensa.

Em 6 de fevereiro de 1999 morre o Rei Hussein da Jordânia, um dos maiores promotores da paz entre israelenses e palestinos.

Em 17 de maio de 1999, Ehnud Barak, de esquerda, vence as eleições israelenses. Em setembro de 1999, Arafat e Barak firmam a revisão do Acordo de Wye, mas não conseguem avançar no processo de paz por desacordos sobre a devolução dos territórios ocupados por Israel.

No ano 2000, Israel se retira do sul Líbano depois de 22 anos de ocupação. Em julho, fracassa a Conferencia de Camp David, convocada por Clinton para discutir a soberania da cidade de Jerusalém.

Sem embargo, em 28 de setembro de 2000 começa a Segunda Intifada, no dia em que Ariel Sharon, líder do direitista partido Likud, aparece de surpresa na Esplanada das Mesquitas, local sagrado muçulmano. A violência da resposta israelense à Segunda Intifada foi condenada por uma Resolução da ONU. Em dezembro, dia 9, Barak deixa o poder.

O ano de 2001 começa com a abertura das negociações no balneário egípcio de Taba, sobre uma proposta de paz dos EUA. Entretanto, vitória de Ariel Sharon e sua subida ao poder em fevereiro de 2001 acaba de vez com as negociações de paz. A violência retorna com o assassinato do ministro israelense de turismo, com uma nova onda de atentados palestinos e com o bombardeio de Gaza e Cisjordânia.

Em 2002 o exército israelense dá início ao processo de confinação de Arafat no seu quartel-general em Maugata. Sharon segue com sua política violenta dando início, em 16 de julho, a construção do muro de separação entre Israel e a Cisjordânia. A ONU, através da Resolução nº 1.397, apóia a criação do Estado palestino.

O muro israelense na Cisjordânia já possui 200 quilômetros de cimento armado, sendo seu total previsto de 650 quilômetros de extensão. Ele recluirá aos palestinos habitantes da Cisjordânia na metade de seu território, destacadamente nas zonas urbanas. Na sua primeira fase de construção, já deixou a mais de vinte mil palestinos sem meios econômicos de sobrevivência, além de destruir milhares de hectares de terras e de poços de água na região.

Em 28 de janeiro de 2003 Sharon é reeleito Primeiro-Ministro de Israel e em abril é apresentado um novo plano de paz, que planejava a criação do estado palestino para o fim de 2005. Em março de 2003, Abu Mazen é nomeado Primeiro-Ministro da Autoridade Nacional Palestina – ANP, e participa da Conferencia de Agaba, na Jordânia, junto a Sharon e a Bush. Nessa conferencia, os israelenses aceitam a criação do estado palestino e a levantar os assentamentos judeus ilegais. Infelizmente, o reinício da violência em agosto, por parte dos extremistas palestinos de Hamás e Yihad forçam a demissão de Abu Mazen em setembro, sendo nomeado para sucedê-lo Abu Ala.


Em 2004 os israelenses assassinam ao líder espiritual palestino xeque Yasin e ao seu sucessor Abdelaziz Rantisi, um mês depois. Sharon apresenta a Bush, em abril, seu “Plano de Desconexão”, propondo evacuar a 17 dos 21 assentamentos judeus ilegais na Faixa de Gaza e retirada das tropas israelenses da Cisjordânia até um limite considerado de segurança. Entretanto, seu próprio partido, Likud, rejeita seu palmo por quase 60% de maioria. Em 9 de julho, o Tribunal de Haia julga ilegal o Muro da Cisjordânia. Por fim, Arafat morre em 11 de novembro.

Oriente Médio I





















Até o final da I Guerra Mundial, a Palestina era, tão somente, mais uma província do Império Turco Otomano, quando então passou para mãos britânicas, sob Mandato da Sociedades das Nações, que controlou a região de 1921 a 1948.

Com a saída dos britânicos, em 13 de maio de 1948, a ONU, substituta da Sociedade das Nações, recebe o comando da situação. O problema naquele momento era o conflito entre os judeus – que chegavam aos milhares à região, na esperança de criação de um “lar nacional” – e os nativos da região – árabes palestinos. Entretanto, as primeiras medidas facilitadoras para uma volta em massa de judeus para Palestina ocorreu ainda no Século XVII, quando o protestante Oliver Crommwell era mandatário da Inglaterra. O motivo era a crença de que somente após o regresso dos judeus a Palestina, retornaria o Messias.

Desde então já ocorreram cinco guerras (1948, 1956, 1967, 1973 e 1982) e duas Intifadas (1987 e 2000). As tentativas de paz foram inúmeras, e algumas quase lograram êxito. A primeira foi com a aprovação pela Assembléia das Nações Unidas – ONU da resolução de 29 de novembro de 1947. Nesta resolução se decidiu a criação de dois estados e uma zona internacional, a cidade de Jerusalém, fixando fronteiras e definindo os direitos das minorias em cada estado.

O Oriente Médio continua sendo o “ponto mais quente” do mundo, ou seja, a região onde a manutenção de um processo de paz duradouro vem se tornando quase impossível. E para melhor entender a questão árabe-israelense é necessário conhecer as origens e a evolução do conflito.

Os israelenses a 14 de maio de 1948 proclamam o Estado de Israel. Naquele tempo, a principal liderança israelense era Ben Gurion, um ex-terrorista fundador do Estado judeu. Os países árabes vizinhos imediatamente declaram guerra ao novo estado, o que resultou na primeira guerra árabe-israelense, que vai durar mais de um ano, provocando a saída de oitocentos mil de palestinos da região e a morte de seis mil judeus.

Hoje, os refugiados palestinos já somam seis milhões de pessoas, sendo que um de cada três refugiados no mundo é palestino. Nunca receberam a cidadania dos países que os acolheram e nem receberam indenização pelo confisco de suas terras e bens pelo Estado de Israel.

A nacionalização do Canal de Suez pelo Egito em julho de 1956, então presidido por Gamal Nasser, apenas serviu para pôr mais lenha na fogueira. A resposta não tardou e Israel, apoiado militarmente por França e a Grã-Bretanha, invade a região do Sinai, mas é forçado a retirar-se pela pressão dos EUA e da ex-URSS, as novas superpotências, e da ONU. Aqueles países europeus ainda não entendiam que tinham perdido o status de potencia internacional depois da II Guerra Mundial. O mundo da Guerra Fria possuía novos amos.

A Organização para a Libertação da Palestina – OLP é criada oficialmente em 27 de maio de 1964, na cidade de Jerusalém. Apenas em novembro de 1974 seria a OLP reconhecida pela ONU como legítima representante do povo palestino.

Em 5 de junho de 1967 começa “Guerra dos Seis Dias”, quando Israel recaça uma ataque do Egito, Síria e Jordânia, capturando em seu avanço os Altos do Golan, a península do Sinai, a Faixa de Gaza, a Cisjordânia e boa parte da cidade de Jerusalém. Nos Altos do Golán nasce o rio Jordão, que banham todo seu vale sob domínio israelense, daí sua importância econômica e estratégica. Nesta guerra, curiosamente, o grande general israelense Moshe Dayán se opôs a ocupar militarmente o setor árabe de Jerusalém, temendo a destruição dos lugares santos.

Em setembro de 1970, o Rei Hussen de Jordânia expulsa os palestinos de seu país, que já havia sido invadido diversas vezes por Israel. Hussen considerou os palestinos como um fator de desestabilização política, e estes foram para o Líbano, provocando em 1974 uma guerra civil naquele país.

A “Guerra do Yom Kipur” começa em outubro de 1973, quando o Egito, presidido por Anuar el-Sadat, e a Síria atacam Israel, recuperando os Altos do Golan. A intervenção pessoal do Presidente dos EUA, Jimmy Carter, faz com que os estados árabes parem seu vitorioso avanço sobre Israel, que em poucas horas de guerra havia perdido a mais de 300 tanques.

Na Olimpíada de Munique, na Alemanha, em 5 de setembro de 1972, um grupo terrorista palestino assassina a 11 atletas israelenses.

A “Guerra do Líbano” se inicia em abril de 1975 com o ataque israelense sobre esse país que jamais participou das guerras anteriores contra Israel, alegando que desta maneira expulsariam os palestinos alí sediados.

Os “Acordos de Camp David” são firmados em 18 de setembro de 1978 entre Israel - de Menajem Begin, Egito – de Anuar el-Sadat, e os EUA – de Carter. Neles, se garante ao Egito a devolução da península do Sinai perdida para Israel em 1967 na “Guerra dos Seis Dias”. Era o início da política de “paz por territórios”.

Israel volta a invadir o Líbano em junho de 1982, quando então era ministro de defesa e Israel o general Ariel Sharon. Como na invasão de 1975, o pretexto era a expulsão da OLP daquele país. Em agosto de 1982, ao redor de quinze mil combatentes palestinos são expulsos do Líbano e partem em direção a Argélia, Iêmen e Tunísia, onde estabelecem a sede da OLP.

Em setembro do mesmo ano, milícias cristãs libanesas e as tropas comandadas pelo general Ariel Sharon atacam os campos de refugiados palestinos de Sabra e Shatila, no Líbano, assassinando a mais de dois mil palestinos indefesos. Vale lembrar que os estadunidenses cometeram dois massacres, que juntos não chegam aos crimes cometidos por Sharon em Sabra e Shatila: na guerra do Vietnã, em 16 de abril de 1968, tropas americanas mataram na aldeia de “My Lay” foram assassinadas 504 pessoas, e no começo da guerra da Coréia foram mortos 300 civis no vilarejo de “No Gun”.

terça-feira, novembro 09, 2004

A agonia de um guerreiro

Hoje eu trago um ramo de oliveira
e a arma de quem luta pela paz.
Não permitam que o ramo de oliveira
caia de minhas mãos.

Yasser Arafat,
na ONU, em 13 de novembro de 1974.

Em março de 1968, na pequena aldeia de Karameh, no Reino da Jordânia, uma batalha que segundo relatos não durou nem um dia, mudou definitivamente a vida de um engenheiro árabe de 38 anos de idade, que já tinha combatido contra os judeus em 1948, quando da criação do Estado de Israel e momento em que os palestinos se tornam refugiados.

Naquele dia na Batalha de Karameh, Yasser Arafat esteve à frente de um grupo de quase trezentos guerrilheiros palestinos, a maioria velhos e crianças, que lutou contra as tropas de um exército regular, o temido Exército de Israel, composto de pára-quedistas e tanques. Muitos lhe recomendaram a fuga, pois seria inútil lutar contra os israelenses, fortemente armados e treinados, mas Arafat naquele dia lutou, como lutaria as décadas seguintes, e se tornou um herói do povo palestino. Mas que um herói, Arafat hoje é o principal símbolo da causa palestina e seu dirigente sem substituto.

Presidente da Autoridade Nacional Palestina - ANP e principal líder político dos palestinos nos últimos 40 anos, Yasser Arafat nasceu no Cairo, Egito, em 28 de agosto de 1929, então protetorado colonial inglês, com o nome de Mohammed Abdel-Raouf Arafat al Qudwa al-Hussein. Histórico líder da Organização para a Libertação da Palestina – OLP, Arafat lutou nos seus 75 anos de vida pela criação do Estado palestino, pátria natural de todos os palestinos.

Há quase três anos confinado no seu quartel-general de Muqata, na cidade de Ramallah, na Cisjordânia, por determinação do exército israelense, Arafat sofre de um câncer e desde o final do outubro sua saúde piorou bastante, chegando a ser considerada crítica depois da ceia do Ramadã. Na verdade seus problemas de saúde começaram em 1992, quando sobreviveu milagrosamente a uma queda de avião na Líbia, em que durante varias horas foi dado como morto. Já lhe foram detectados os primeiros sinais de Mal de Parkinson. Desde então, Arafat se encontra no hospital militar francês de Percy, no subúrbio de Paris, e seu falecimento é esperado a qualquer instante.

A possibilidade do enterro de Arafat despertou posições extremadas, pois Ariel Sharon se nega que seu corpo seja enterrado na Esplanada das Mesquitas, no mausoléu da mesquita de al-Aqsa, em Jerusalém, como era seu desejo. Arafat desejava ser enterrado no local sagrado de Jerusalém chamado pelos muçulmanos de al-Haram al-Sharif e pelos judeus de Monte do Templo. O enterro de Arafat na Esplanada das Mesquitas seria visto como o reconhecimento de que os palestinos têm direitos políticos sobre aquele lugar considerado sagrado para as três religiões monoteístas: o Islã, o Judaísmo e o Cristianismo. Ao que tudo indica, Arafat será enterrado na Faixa de Gaza.

A sucessão de Arafat na presidência da Autoridade Nacional Palestina – ANP também se complicou. De acordo com a Lei Básica Palestina, caso venha a falecer o “rais”, o presidente do Parlamento, Rouhi Fatuh, assumirá a presidência interinamente por 60 dias, máximo período de convocação de eleições. Entretanto, com relação à sucessão de Arafat nada é certo. O primeiro Ministro palestino Ahmed Qorei, principal candidato a suceder Arafat, e o Secretário Geral da OLP, Mahmud Abbas, tentaram reunir as forças políticas palestinas em um pacto de transição, incluindo os fundamentalistas dos grupos Hamás e Yihad Islâmica, evitando uma guerra civil palestina com conseqüências destrutivas para toda a causa.

Entretanto, a TV árabe al-Jazeera, do Catar informou que Arafat teria nomeado um triunvirato para governar a entidade no caso de sua impossibilidade. O triunvirato seria formado pelo secretário-geral da Organização para a Libertação da Palestina (OLP), Mahmoud Abbas (Abu Mazen), pelo primeiro-ministro da ANP, Ahmed Qorei (Abu Alá), e pelo chefe do Conselho Nacional Palestino, Saleem Al Za'noun. Entretanto, a Autoridade Nacional Palestina – ANP negou tal informação. O triunvirato foi, na verdade, uma armação da velha guarda da Organização pela Libertação da Palestina – OLP, mas não durou uma hora, depois de seu anúncio.

De acordo com Salman Shoval, conselheiro de Ariel Sharon – Primeiro Ministro israelense, Arafat é o maior obstáculo à paz na região e “os palestinos sabem o que ele representa mas o têm como um símbolo”. A saída de cena de Arafat destrói o único argumento de Ariel Sharon para não negociar com os palestinos: A falta de “partner”. De maneira que Sharon perde uma desculpa para evitar a volta das negociações e, mais ainda, perde uma excelente oportunidade de concluir de uma vez por todas um acordo com um líder palestino acreditado. A sucessão palestina pode derrapar na anarquia ou em uma ditadura.

Da mesma forma que somente o general De Gaulle poderia conceder independência a Argélia, ex-colônia francesa, pelo fato de apenas ele representar naquele momento a alma da França, Israel perde com o desaparecimento de Arafat o único verdadeiro “partner” capaz de firmar uma paz definitiva. Apenas Arafat, como símbolo da causa palestina, poderia abrir mão de posições antigas e renunciar a parte das reivindicações palestinas, dentre elas Jerusalém e o direito de regresso dos palestinos expulsos em 1948. Um autêntico acordo de paz necessita de que ambas as partes acordem em concessões.

Como afirmou o escritor israelense David Grossman, Arafat conseguiu transformar a causa palestina num “potente símbolo universal da luta pela liberdade e o direito a regressar à pátria”. Como todo autêntico líder de seu povo, Arafat será sucedido mas não encontrará substituto. Seu carisma e suas contradições asseguraram-lhe um lugar definitivo no imaginário dos heróis do mundo árabe. Arafat seguirá casado com a Palestina para sempre, até o dia em que seu povo possa fundar definitivamente seu Estado, até o dia em que seu nome seja sinônimo de Estado palestino.

segunda-feira, novembro 01, 2004

Bush versus Kerry

A un presidente

Todo lo que haces y dices no es más que
un espejismo para América,`
No has aprendido nada de la Naturaleza de la política
de Naturaleza no has aprendido la gran amplitud,
la rectitud, la imparcialidad,
No has visto que sólo una política semejante
es la apropiada para estos Estados,
Y que lo que sea menos que ella,
tarde o temprano,
se disipará de estos Estados.

Walt Whitman,
em “Hojas de Hierba”, 1855.

Nesta terça, dia 02 de novembro, os estadunidenses vão as urnas escolher entre a reeleição do presidente George W. Bush ou a vitória do senador democrata John Kerry. Tecnicamente empatados, as duas visões de mundo dos candidatos não são tão distintas, mas é inquestionável o apoio e a torcida internacional pela vitória do senador Kerry. De acordo com o jornal The Guardian, a campanha eleitoral americana custou 1 bilhão de dólares.

Nestes quatro anos de governo Bush o mundo ficou mais instável, inseguro e, acima de tudo, mais anti-americano que nunca. A maior democracia do mundo cometeu graves erros na condução de sua guerra contra o terror, inclusive com a quebra da aliança atlântica, que os unia aos europeus desde a Segunda Grande Guerra.

Ademais, nos quatros anos de governo Bush o déficit público dos Estados Unidos deve alcançar este ano a cifra recorde de 422 bilhões de dólares. Este valor equivale a 3,6% do Produto Interno Bruto (PIB) do país e mais do que o PIB brasileiro. Bush herdou de seu antecessor, Bill Clinton, um superávit de US$ 236 bilhões. O meio ambiente também sofreu nas mãos de Bush, que no seu governo fez esquecer que os republicanos foram responsáveis por 11 das 16 principais leis ambientais dos EUA, conforme informação da Agência de Proteção Ambiental – EPA. Bush decepcionou a todo o mundo em 2001, ao retirar os EUA do Protocolo de Kyoto, principal acordo internacional para tentar conter as emissões dos gases que causam o efeito estufa.

A “Surpresa de Outubro” foi a descoberta de que a Casa Branca necessita mais 20 mil soldados no Iraque e mais 70 bilhões de dólares para sustentar uma guerra ilegal, do ponto de vista do Direito Internacional. Hoje, a Coréia do Sul se uniu à China ao solicitar que Washington ofereça mais concessões ao regime da Coréia do Norte - um dos três integrantes do 'Eixo do mal' de Bush - para atrair Pyongyang à mesa negociadora.

De acordo com uma pesquisa da Universidade de Harvard, 62% dos universitários estadunidenses pretendem votar nestas eleições. Desta maneira, se espera uma grande participação nesta eleição dos jovens, que devem ir às urnas como em 1972, quando em plena guerra do Vietnã, reduziu-se a idade mínima para votar para 18 anos. Na eleição anterior, dos 42,8 milhões de americanos entre 18 e 30 anos apenas 18 milhões votaram, quando George Bush ganhou por uma diferença de pouco mais de 500 votos na Flórida.

A participação do eleitorado americano deve superar a do ano 2000, quando votaram 105 milhões de pessoas, de uma população de 286 milhões, o equivalente a 51% das pessoas com idade para votar e 86% dos eleitores registrados. Alguns analistas afirmam que esta eleição poderá superar a de 1992, na qual votaram 58% do eleitorado, dando a vitória a Bill Clinton. Nos EUA, o voto é opcional.

O escritor estadunidense Gore Vidal costuma pedir a reforma da Constituição dos EUA para que seja incluída uma nova regra eleitoral: a que proíba que candidatos a presidente se apresentem de maneira voluntária. Segundo Vidal, esta seria uma homenagem a maior de todos os presidentes americanos, George Washington, que nunca quis ser presidente.

Como recentemente afirmou o historiador estadunidense Arthur Schlesinger Jr., em artigo muito comentado, não devemos perder nossas esperanças nos EUA, porque eles continuam a ser o país audaz e idealista de Franklin Roosevelt e John Kennedy, “ainda que ultimamente a audácia e o idealismo tenham se convertido em belicosidade e arrogância”.

segunda-feira, outubro 25, 2004

A Tortura e a Vergonha

Não matarás.
Quem matar, se entrega a si próprio
nas mãos do Senhor da história
e não será apenas maldito
na memória dos homens,
mas também no julgamento de Deus.

Cardeal D. Paulo Evaristo Arns,
no culto ecumênico pela morte
do jornalista Vladimir Herzog,
em 31 de outubro de 1975.


O jornal The Washington Post comprovou em maio que no caso das chocantes fotos da tortura praticada pelos soldados estadunidenses na prisão de Abu Ghraib, em Bagdá, três dos iraquianos que aparecem nas fotos mais terríveis sequer faziam parte dos interrogatórios, e que portanto foram torturados por pura diversão e para impor disciplina. Não que a tortura fosse menos condenável no caso daquelas pessoas estarem sendo interrogadas. Muito pelo contrário, o fato apenas realça o grau de barbárie a que chegou a civilização neste começo de século XXI.

A “Convenção contra a Tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes”, de 1984, em seu artigo 1º conceitua a tortura como “qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de obter, dela ou de terceira pessoa, informações ou confissões”.

As fotos da tortura na prisão de Abu Ghraib chocaram o mundo e levaram muitos militares, incluindo oficiais graduados, à Corte Marcial. Vale ressaltar que as fotos somente foram publicadas porque os EUA são, sem tergiversações, a maior democracia do mundo, além de terem uma Constituição que garante o pleno exercício das liberdades públicas, como por exemplo a liberdade de expressão. O compromisso americano com os direitos humanos é reavivado pela Suprema Corte dos EUA, mesmo nos atuais tempos de Bush e de toda a palhaçada jurídica que é a prisão dos talibães em Guantánamo, Cuba, onde centenas de presos esperam numa base americana por mais de dois anos sem qualquer acusação formal.

Desde 11 de setembro de 2001 se debate nos EUA sobre o uso ou não de “pressão psicológica e força física”, isto é, tortura, no interrogatório dos presos da “guerra contra o terrorismo”. O precedente mundial sobre o uso oficial da tortura cabe ao estado de Israel, pois foi o único país do mundo a legalizar a tortura, entre 1987 e 1999. Em 1987, uma comissão presidida pelo juiz Moshe Landau elaborou uma relação de torturas permitidas no país – denominada então “força psicológica e física moderada” -, que teve vigência até sua revogação em 1999 pela Corte Suprema Israelense.

E de nada vale descobrir que o governo americano, através do ex-secretário de Estado Henry Kissinger, apoiou as violações aos direitos humanos cometidos pela ditadura militar na Argentina – onde “desapareceram” 30 mil pessoas-, porque foi a política exterior dos EUA no governo Jimmy Carter que cobrou a volta da democracia a América Latina e o respeito aos direitos humanos. Três meses depois do golpe militar na Argentina, Kissinger se reuniu com os militares golpistas e nem sequer reclamou a liberdade de pelo menos três cidadãs americanas - Elida Messina, Gwenda Loken López e Mercedes Naveiro Bender – que nesse momento eram torturadas naquele país.

De maneira que a luta pelo respeito aos direitos humanos existe mesmo dentro da maior potência mundial. Lá, como em quase todas as partes, existem aqueles que se importam pelo ser humano, o defendem das injustiças e lutam pela sua dignidade. E aqueles que se importam com seus interesses e com pouca coisa mais.

Ademais, para nós latinos nunca foi preciso exemplo de ninguém para que sejamos os primeiros em firmar convenções de proteção aos direitos humanos, e os primeiros, também, em cinicamente descumpri-las. Basta para tanto, recordarmos da Operação Condor – a estratégia de cooperação entre muitas ditaduras sul-americanas para vigiar, torturar e eliminar seus opositores.

Acontece que tanto na Argentina, nos EUA e em muitos outros países da América Latina, o passado foi esclarecido e os crimes foram punidos. O período da chamada “guerra suja” foi revisitado, o baú de segredos e maldades cometidas foi aberto. Aqui no Brasil isso nunca ocorreu. A anistia de 1979 funcionou como uma espécie de silenciosa passagem de página na história deste período triste. Igual a Espanha, no seu período de transição, houve no Brasil um pacto de silêncio sobre os anos da ditadura militar. Tudo em nome da democracia e da volta à normalidade constitucional. Entretanto, ainda que muitos assim não o considerem, anistia não significa esquecimento. A dignidade humana aviltada não pode ser simplesmente esquecida, em nome de um passado anistiado. Estas vozes do passado gritam e seu grito de justiça chega até o presente, ressoando nas mentes daquelas pessoas comprometidas com a verdade.

Por isso, a sociedade brasileira ficou chocada com as fotos publicadas na semana passada pelo jornal Correio Braziliense. Independente de que as fotos sejam de Vladimir Herzog ou do padre Léopold D'Astous, as fotos mostram o terror da tortura no Brasil e revelam um crime cometido pelo Estado brasileiro. E nos envergonha tanto quanto a primeira nota oficial do Exército, assinada pelo general Antônio Gabriel Esper, chefe do Centro de Comunicação do Exército.

O jornalista e editor da TV Cultura Vladimir Herzog morreu em outubro de 1975 no DOI-CODI, órgão de repressão da ditadura militar. De acordo com o IPM instaurado a mando do presidente Geisel, o jornalista cometeu suicidou, enforcando-se em sua cela. Esta versão nunca foi aceita e a sua morte instaurou definitivamente a luta contra a tortura e morte de opositores do regime militar. Anos mais tarde, quando já finalizada a ditadura, o governo brasileiro reconheceu que Vladimir Herzog foi morto nas dependências do Exército e a família foi indenizada.

Por que em plena democracia no distante ano de 2004 o Exército brasileiro ainda insiste em defender algo tão irracional como a tortura? Não seria melhor afirmar seu compromisso com a legalidade constitucional e democrática do país e condenar os crimes do passado? Por que militares honrados insistem em proteger um passado tão canalha? Que sejam dadas todas as explicações necessárias para desvendar o caso e que nada, absolutamente nada, seja escondido da sociedade brasileira. Todos queremos a verdade.

Afinal, neste mês de outubro se completam 29 anos da morte de Herzog e 27 anos da demissão do então ministro do Exército, Sílvio Frota, pelo presidente Ernesto Geisel. Não se deve esquecer que com a demissão de Frota, foi possível a Geisel levar adiante a abertura política do regime e, desde o golpe de 1964, fazer valer a autoridade de um Presidente da República sobre as forças armadas. Mesmo sendo um presidente militar e o regime constitucional um arremedo de Constituição.

segunda-feira, outubro 18, 2004

Soberania e a Lei do Abate


De acordo com o constitucionalista francês Carre de Malberg, no clássico “Teoria Geral do Estado”, cuja primeira edição em francês é de 1920, a soberania é “o caráter supremo de um poder” e portanto “quando se diz que o Estado é soberano, há que entender por isso que na esfera em que sua autoridade é chamada a exercer-se, possui uma 'potestas' que não depende e que não pode ser igualada por nenhum outro poder”. Foi outro francês, Jean Bodin, o primeiro a desenvolver o conceito de soberania, quando afirmou por volta de 1576 que “a soberania é o poder absoluto e perpétuo de uma República”. Como leciona o professor Dalmo de Abreu Dallari, Bodin utiliza a expressão “República” como equivalente ao atual conceito de “Estado”. Por fim, um terceiro francês, Jean-Jacques Rosseau publica na primavera de 1762 sua obra máxima “O Contrato Social”, destacando o conceito de soberania e atribuindo-lhe sua titularidade não mais à pessoa do soberano, mas ao povo.

Para o jurista Miguel Reale, a soberania é “o poder de organizar-se juridicamente e de fazer valer dentro de seu território a universalidade de suas decisões nos limites dos fins éticos de convivência”. Pois foi com base na sua soberania que o Brasil aprovou em 5 de março de 1998 a Lei do Tiro de Destruição, mais conhecida como Lei do Abate, que entrou em vigor domingo passado, dia 17 de outubro.

Na verdade, a Lei nº 9.614/98, denominada Lei do Abate, apenas alterou o art. 303 do Código Brasileiro de Aeronáutica, instituído pela Lei nº 7.565/86, introduzindo o parágrafo segundo que determina: “Esgotados os meios coercitivos legalmente previstos, a aeronave será classificada como hostil, ficando sujeita à medida de destruição, nos casos dos incisos do caput deste artigo e após autorização do Presidente da República ou autoridade por ele delegada”. Desta forma, a Força Aérea fica autorizada a derrubar aviões clandestinos que não respeitarem os sinais de aviso para pouso. De acordo com informação da Aeronáutica, os pilotos que não obedecerem à série de recomendações para se identificar e fazer pouso para fiscalização serão advertidos com um tiro de alerta. Numa segunda etapa, serão disparados tiros na carenagem do avião clandestino. Por fim a Força Aérea explodirá a aeronave clandestina.

Essa medida se destina de maneira especial a combater o tráfico ilegal de drogas e armas, além de controlar o espaço aéreo nacional. Por isso, existem rotas nas quais os aviões estarão mais visados a interceptação, por exemplo, as fronteiras com o Paraguai, Bolívia, Peru e Colômbia. O grande problema será confundir aeronaves do tráfico de drogas com os aviões de fazendeiros que, para evitar o pagamento das taxas necessárias, trafegam pelo espaço aéreo nacional sem qualquer plano de vôo.

A Lei do Abate passou seis anos engavetada por culpa da pressão dos EUA, que aplica sanções comerciais aos países que possuem normas assemelhadas. Essas pressões são inaceitáveis a um país que se considera soberano. Mesmo sabendo que o conceito de soberania encontra-se seriamente abalado pela globalização, devemos fazer valer nossas normas jurídicas como produto da nossa soberania, conquistada com a Independência do Império Lusitano em 1822. Ademais, os procedimentos de abate de aeronaves no espaço aéreo nacional estão em estrita obediência aos quesitos internacionais de segurança. Em 2001, a Força Aérea do Peru derrubou de o avião de uma missionária estadunidense por engano, matando as duas pessoas que estavam a bordo. Por isso, os EUA suspenderam um acordo internacional de interceptação aérea para combater o narcotráfico no espaço aéreo andino.

Os EUA devem compreender que a Lei do Abate, se aplicada corretamente, protegerá não apenas a sociedade brasileira do perigo do tráfico ilegal de drogas e armas, mas também a sociedade internacional. Sem contar o perigo que representa o terrorismo aéreo internacional, como bem sabem os EUA. A soberania brasileira – ou o pouco que sobra dela, deve ser respeitada por todas as nações, sem ufanismo barato, da mesma maneira que respeitamos a dos demais países. Em respeito e defesa da sociedade brasileira devemos prosseguir na execução da Lei do Abate.

quarta-feira, outubro 13, 2004

O caso Charlotte Wyatt


A Justiça britânica autorizou na semana passada o não prolongamento artificial da vida de um bebê de onze meses, contra o desejo dos pais em manter indeterminadamente a vida da filha. De acordo com a sentença judicial britânica, no momento que a paciente tenha outra parada cárdio-respiratória, os médicos não devem utilizar nenhum procedimento para mantê-la viva.

Charlotte Wyatt nasceu prematura de seis meses e pesando meio quilo em Portsmouth, Inglaterra. Seu cérebro encontra-se muito prejudicado e a criança possui problemas nos rins e pulmões. De acordo com os médicos, Charlotte senti dor e que não resistirá a primeira infecção viral que contrair. Alimentada através de tubos e respirando com sua cabeça apoiada em uma caixa de vidro, que ao bombear altos níveis de oxigênio lhe deteriora os pulmões, seu tempo de vida é de apenas alguns meses. Charlotte possui irreversíveis deformações cerebrais, pulmonares e cardíacas, e já foi ressuscitada pelos médicos três vezes.

O caso foi submetido à Justiça britânica pelos médicos do hospital de Portsmouth, amparados na lei britânica que faculta a qualquer médico negar-se a aplicar um tratamento inadequado a um paciente, depois de reanimarem a criança por cinco vezes, mesmo com a recusa de sua família em aceitar a recomendação médica de não prolongar o sofrimento em vão. Para os médicos, o melhor para a pequena Charlotte é deixá-la morrer em paz, sem prolongar artificialmente sua vida.

Fundados em profundos princípios cristãos, os pais de Charlotte insistem em preservar a vida da filha, é lógico, mesmo com todo o sofrimento, alegando que a pequena é uma “guerreira” que deve receber toda a assistência possível, e esperam por uma intervenção da providência divina. A mãe de Charlotte, Debbie Wyatt, está grávida do terceiro filho do atual marido, Darren, e tem ainda três outras crianças do casamento anterior.

O Juiz Mark Hedleys - de profundas convicções religiosas - do Tribunal Superior do Reino Unido, marcou definitivamente a jurisprudência ao decidir por não prolongar a vida de Charlotte, seguindo a unânime opinião médica que aponta no seu prognóstico que a pequena, clinicamente, nem pode esperar uma existência vegetativa. Sua polêmica decisão se fundamenta na inutilidade de prolongar por via artificial o sofrimento. “Cheguei a conclusão clara de que nenhum tratamento agressivo para prolongar sua vida vai beneficiá-la. Sei que isso significa que pode morrer antes do que poderia ocorrer caso contrário, mas entendo que sua morte apenas será adiantada um pouco”, afirmou o magistrado, que antes de ler a sentença reconheceu a dificuldade da decisão tomada destacando suas limitações.

O caso Charlotte é uma questão jurídica em que se interpretou a extensão do direito a vida frente à opinião médica de não submeter um paciente a um traumático e doloroso tratamento terapêutico sem perspectivas de sobrevivência. A decisão serve para ampliar o debate mundial sobre os limites éticos, morais e clínicos dos pais sobre a sobrevivência de um filho menor em estado agônico. De acordo com o precedente estabelecido pelo Juiz Mark Hedleys, a ética médica de que não se deve prolongar a agonia de um menor mesmo contra a vontade de seus familiares deve prevalecer.

Entretanto, na sentença do Juiz Mark Hedleys no caso Charlotte, já considerado pela imprensa como “um dos casos mais tristes e dramáticos da história da Justiça britânica”, não se buscou resolver uma questão sobre quem tem a última palavra sobre a vida de um paciente menor, se os médicos ou os pais. Se buscou solucionar um caso concreto, que respondesse a questão sobre o que seria mais conveniente para a criança, viver sofrendo ou morrer de maneira natural, pondo fim a sua dor.

O casal Wyatt já decidiu que não irá apelar da polêmica decisão judicial, afirmou seu advogado Richard Stein. Entretanto, a família de Charlotte vendeu sua estória a um jornal de Londres.

segunda-feira, outubro 04, 2004

Brasil em números


O IBGE divulgou na semana passada os resultados da sua Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD, relativos ao ano de 2003, realizada em 133 mil residências em todo país, atingindo um total de quase 385 mil pessoas. E os dados revelados mostram um Brasil mais pobre e menos desigual, mais alfabetizado e mais feminino.

A renda média dos brasileiros, de todas as categorias, pelo sétimo ano consecutivo sofreu diminuição, pois o rendimento da população empregada baixou de R$ 852 em 1996, para R$ 692 em 2003. Vale ressaltar que a renda em 2002 foi de R$ 747, o que gerou uma queda de 7,4%, o maior percentual desde 1997. O acumulado desde 1996 é de 18,8%. A renda média domiciliar também diminuiu em média 8%, chegando a R$ 1.268 em 2003.

Entretanto, mesmo com a diminuição dos rendimentos, a concentração de renda no país diminuiu. De acordo com os números do PNAD-2003, a renda dos 10% da população com melhores salários significava 49% no total, e no ano passado 45%. Enquanto isso, os 10% da população com rendimentos mais baixo aumentou sua participação no total, saltando de 0,7% para 1%.

As mulheres ainda recebem menores salários que os homens, mesmo sendo em média mais escolarizadas que os homens, sendo a média feminina de R$ 547 e a masculina de R$ 786. No período houve uma maior aproximação entre o trabalho de gênero, pois a renda feminina que era de 59% da masculina em 1993, passou a 69,6% em 2003. Além de que a taxa de desemprego é maior entre as mulheres, 12,3%, do que entre os homens, 7,8%. Houve, ainda, uma diminuição do número de filhos por mulher em todo país.

A centenária figura do “êxodo rural” continua existindo, mesmo com o milagre da agricultura brasileira, pois se em 1992, 28,4% da população empregada trabalhava em atividades agrícolas, em 2003 esse percentual foi de 20%, que significa um total de 16,4 milhões de trabalhadores.

Outra surpresa nos dados do PNAD-2003 foi o fato de que, mesmo diminuindo a remuneração e o número de brasileiros empregados, houve no período um aumento do operariado urbano com carteira assinada, principalmente no setor do comércio. O total de trabalhadores protegidos pelos direitos trabalhistas atingiu em 2003 o total de 24 milhões de pessoas. Esse fato justificou um incremento de 4% do número de contribuintes da previdência social - na qual estão associados hoje um total de 46,4% da população - além do numero de trabalhadores sindicalizados.

O funcionalismo público, a nível estadual e federal, sofreu uma queda no total da população empregada, enquanto que o funcionalismo municipal aumentou de 25,4% para 40,3%.

Houve uma significativa diminuição do número de crianças fora da escola, e o destaque ficou para o Nordeste com um recuo de 16,6% para 4%, no período compreendido entre 1993 e 2003, no percentual de crianças de 7 a 14 anos que não estudavam.

Para o presidente do IBGE, Eduardo Pereira Nunes, a diminuição dos índices de emprego e renda revelados pela PNAD-2003 é atribuída ao ajuste do governo “para equilibrar as finanças públicas, reduzir o perigo inflacionário e equacionar o problema da dívida externa”.

Por fim, os dados do PNAD-2003 revelaram algo que já se fazia sentir: que o Brasil começa a envelhecer. Caem as taxas de mortalidade e de fecundidade no país, gerando um aumento do envelhecimento da população brasileira. Os brasileiros com mais de 60 anos, que antes representavam apenas 8%, hoje são quase 10% da população nacional. Desde 1981, vem aumentando significativamente a faixa etária do maior contingente da população brasileira. Naquele ano a maioria da população encontrava-se entre zero e quatro anos de idade. Em 1986, esse grupo estava formado pelos indivíduos de cinco e nove anos. E em 2003, a predominância da população era de jovens entre 15 e 19 anos.


Contudo, o brasileiro conseguiu consumir um pouco mais no período, aumentando o acesso às novas tecnologias, principalmente o computador, a internet e os aparelhos celulares. Agora, imaginem se os 82 bilhões de dólares brasileiros existentes nos paraísos fiscais e nos EUA, segundo cálculo do Banco Central, retornassem ao país. Se a confiança dessa pequena e bilionária parcela da população brasileira fosse conquistada, imaginem só o que seria esse Brasil.

quarta-feira, setembro 29, 2004

A ultradireita na Alemanha


A ultradireita volta a conseguir assento em um parlamento regional europeu. E, nada mais nada menos, que na Alemanha, onde já haviam conseguido até então 22 vezes, desde o final da II Guerra Mundial. Nas eleições estaduais desta semana, os cortes no Estado de bem-estar social efetuados pelo governo do chanceler Gerhard Schroeder, somados a altas taxas de desemprego, conseguiram com que o voto de protesto elegesse nos “lãnder” de Saxônia e Brandenburgo a representantes da extrema-direita. Não significa com isto que conquistaram o poder nestes estados da federação alemã, mas a votação que obtiveram não era esperada.

Entretanto, os maiores partidos alemães seguem sendo o Partido Social-Democrata (SPD) - presidido por Franz Müntefering, que foi o mais votado em Brandenburgo, e atualmente está no poder juntamente com o Partido Verde - e a União Democrata Cristã (CDU) – presidida por Angela Merkel, na oposição e na liderança dos votos na Saxônia.

Em Brandenburgo, o Partido Socialista Democrático (PDS), principal herdeiro dos comunistas da ex - Alemanha Oriental, conseguiu 28% dos votos, enquanto que na Saxônia conseguiram 23%. Os radicais de direita da União Popular Alemã (DVU) conseguiram 6,1%, garantindo pela primeira vez a um partido da ultradireita um segundo mandato num parlamento estadual. Criado pelo milionário da publicidade Gerhard Frey em 1971, a agremiação transforma-se em partido político em 1987, possuindo em suas fileiras cerca de 11.500 seguidores.

Na Saxônia, o extremista Partido Nacional Democrático (NPD) – que desde 1968 não possuía representação parlamentar, obteve ao redor de 9,2% da votação, quase a mesma quantidade de votos conseguida pelo partido da situação, o Partido Social-Democrata (SPD), que conquistou apenas 9,8%. O Partido Nacional Democrático (NPD), criado em 1964 por Udo Vigt, o mais radical dos partidos de ultradireita é neo-nazista. Não reconhece a existência do holocausto nazista e advoga pela revisão das fronteiras da Alemanha. Em 2003, tanto o governo como o parlamento alemão tentaram ilegalizar o partido, por semelhanças ao Parido Nazista, mas foram impedidos nos tribunais porque as provas obtidas contra a agremiação foram conseguidas através de agentes infiltrados.

A reforma do Estado de bem-estar social, traduzido no corte das benevolentes ajudas sociais, proposta pelo governo do chanceler Gerhard Schroeder é apontada como a grande responsável pelo voto de protesto na extrema-direita e nos herdeiros pós-comunistas da finada Alemanha Oriental. Os protestos de rua contra a reforma de Schroeder, organizados todas as segundas-feiras, chega a juntar 30 mil pessoas por manifestação. A reforma do seguro-desemprego, por exemplo, que pretende reduzir o benefício para aqueles com menos de 55 anos a um ano, e para ano e meio àqueles com mais de 55, é a vitrine das reformas propostas pelo atual governo alemão. Vale lembrar que a população alemã envelhece rapidamente e que o desemprego é maior no leste, 18,5%, contra 8,5% no oeste.

Assim, crescem as divergências entre as duas Alemanhas anteriormente separadas pelo Muro de Berlim e por ideologias enfrentadas, e que juntas foram a mais perfeita representação da Guerra Fria. A radicalização da política alemã pode ser entendida pela violência que provoca. Mais de cem pessoas já morreram vítimas da violência da ultradireita na Alemanha desde a reunificação em 1990. No ano passado ocorreram mais de 750 casos de crimes violentos ligados à extrema-direita no país.


Contudo, dia 9 de novembro próximo será o 15º aniversário da queda do muro de Berlim. E os alemães estão divididos outra vez. Desta vez não por um muro, mas pela divisão e aplicação do dinheiro público. Os mais pobres necessitam de maiores ajudas sociais. Os mais ricos estão fartos de pagar tributos. Cerca de 4% do PIB alemão é investido nos estados da antiga Alemanha Oriental - atuais membros da federação alemã - o que representa aproximadamente 80 bilhões de Euros por ano. A divisão social, agora transformou-se em divisão política. É a radicalização da política alemã.

segunda-feira, setembro 27, 2004

Toda a miséria deste mundo


Alguém pode estar em contra do combate a fome e a pobreza mundial? Claro que não. Ninguém, nem mesmo os países ricos. Entretanto, apesar das metas estabelecidas para se combater a miséria mundial, ninguém se põe de acordo em desembolsar as vultosas somas necessárias para erradicar os males que flagelam bilhões de seres humanos.

A erradicação da miséria foi exatamente o que se propôs na semana passada, quando a “Aliança contra a Fome” - formada pelo Brasil, Espanha, França e Chile – esteve reunida na véspera do encontro anual da Assembléia Geral da ONU com outros representantes de 97 países, embora apenas quatro países ricos – Finlândia, Portugal Suécia e Suíça – tenham enviado seus líderes como representantes. Os EUA, por exemplo, mandaram a Secretária de Agricultura, Ann Veneman, como sua representante no encontro.

A “Aliança contra a Fome” conseguiu aprovar oito instrumentos e orientações para alcançar o objetivo de reduzir a miséria mundial até o ano de 2015, acompanhadas da advertência de que a paz mundial no século XXI dependerá destas medidas. Os instrumentos apresentados para o financiamento do combate a fome na reunião que oficialmente se denomina “Ação Mundial contra a Pobreza e a Fome” foram: a) Impostos sobre os movimentos de capital: a criação da Taxa Tobin, que arrecadaria 17 bilhões de dólares por ano; b) Imposto sobre o comércio de armas: que compensaria o desvio de fundos do desenvolvimento para a guerra; c) Facilidade de financiamento internacional: proposto pelo governo trabalhista inglês de Tony Blair, significa a emissão de dívida pública para financiar a ajuda ao desenvolvimento; d) Direitos especiais de transferência: aprovado pelo FMI em setembro de 1997, criaria a unidade internacional de conta; e) Luta contra a evasão fiscal: em especial a luta contra os paraísos fiscais, que diminuem a capacidade de arrecadação dos países em desenvolvimento; f) Melhora das remessas: acelerar e baratear o custo da remessa dos imigrantes aos países em desenvolvimento, que superam os 86 bilhões de dólares por ano, superando o total da ajuda ao desenvolvimento; g) Doações por cartão de crédito: lançamento de um cartão de crédito associado às metas do Milênio, que destinaria um pequeno valor de cada transação efetuada como doação dos usuários e bancos; h) Fundos éticos: incrementar os investimentos nos denominados Investimentos Socialmente Responsáveis – ISR, aqueles ligados a promoção de emprego, da proteção ambiental e etc.

As cifras da pobreza são assustadoras. De acordo com dados apresentados no encontro, entre 1999 e 2001, 842 milhões de pessoas sofreram desnutrição no mundo, sendo 798 milhões habitantes de países em desenvolvimento, notadamente na Ásia e na África. E a esse montante soma-se cinco milhões de famintos a cada ano. A seguir assim, serão 600 milhões de famintos em 2015, data limite para reduzir à metade a proporção de famintos no mundo, de acordo com os objetivos estabelecidos na Cúpula do Milênio de setembro de 2000, ratificada no Consenso de Monterrey, México, em 2002. E merece registro o fato de que a fome diminuiu nos últimos anos na América Latina. Dos seis bilhões de habitantes do planeta, um sexto sobrevive com menos de um dólar ao dia.

A entrada da Espanha na “Aliança contra a Fome” foi destaque na imprensa mundial porque o recém eleito Presidente de Governo, o socialista Luis Zapatero, cumpria assim uma de suas propostas de campanha, além de sair do alinhamento com os EUA em política exterior. A Espanha acaba de retirar suas tropas do Iraque, cumprindo outra promessa de campanha do Presidente Zapatero. Assim, a Espanha retorna ao seio da política exterior européia, liderada pela França e a Alemanha, que condenaram a atitude unilateral estadunidense de invadir o Iraque.

A idéia de uma “Aliança contra a Fome” partiu do Presidente Lula, e a Cúpula realizada na sede da ONU foi uma vitória da diplomacia brasileira, na sua luta em conseguir ocupar um lugar de protagonismo no cenário mundial. Em seu discurso, o Presidente Lula afirmou que “a fome é a mais cruel arma de destruição massiva”. E arrematou: “A pior resposta ao drama da fome é não dar resposta nenhuma”.

A oposição dos EUA às propostas apresentadas pelos países da “Aliança contra a Fome” não tardou em ocorrer, pois a Secretária de Agricultura Ann Veneman precisou que “impostos mundiais não são democráticos”, explicando sua contrariedade à taxação das transações internacionais de capital, a conhecida Taxa Tobin.

A paz mundial estará em jogo se não houver uma redução drástica nos índices de miséria planetária, que aumentam a divisão das classes sociais dentro das nações, e distanciam a cada dia mais os paises ricos dos pobres. Entretanto, é necessário que os países pobres e os emergentes arrumem a casa, ética e moralmente, para poderem exigir uma divisão mais eqüitativa da riqueza mundial. A começar pelo Brasil e seu vergonhoso título de nação mais injusta do mundo, onde pior se divide a riqueza no planeta. Enquanto não formos um “país da classe média” e uma nação que remunere melhor a um professor, para atrair os melhores para a formação do nosso futuro, estaremos condenados a uma dupla moral. A que exige melhor reparto da riqueza mundial entre as nações, mas que ao mesmo tempo nega a sua população esta melhoria na divisão da riqueza nacional.

Serão necessários 50 bilhões de dólares anuais até o ano de 2015 para cumprir o objetivo de redução da miséria mundial. Segundo dados de Joaquín Estefanía, só com publicidade, o planeta gasta anualmente dez vezes mais que isso. Sem contar os 17 bilhões de dólares anuais que gastam europeus e estadunidenses com alimentos para animais domésticos. Quem pagará o preço da paz mundial e da segurança do planeta? Quem deixará seu gatinho com fome?

segunda-feira, setembro 13, 2004

A insegurança do mundo

Defender la alegría como un destino
defenderla del fuego y de los bomberos
de los suicidas y los homicidas
de las vacaciones y del agobio
de la obligación de estar alegres.

Mario Benedetti,
em "Defensa de la alegría".

Creio que cada um de nós recordará, para sempre, onde estávamos naquele 11 de setembro de 2001. Como nossos pais recordam onde estavam quando Getúlio se matou, quando assassinaram a Kennedy ou quando Neil Armstrong se tornou o primeiro homem a caminhar na Lua. Eu me lembro, perfeitamente, que almoçava com uns amigos brasileiros no restaurante chinês ao lado da mesquita de Valencia, na Espanha. E que fomos ver as imagens na televisão do Café de Camilo, que ficava ainda mais perto da mesquita. Um mês depois eu estava num avião da Varig a caminho do Brasil, com uma sensação de indiferença do perigo que tem todo brasileiro, ao se saber distante de todos os problemas do mundo.

Entretanto, que balanço podemos fazer depois de três anos dos atentados de Nova Iorque, seis meses dos de Madri e alguns dias da terrível matança de Beslan, Ossétia do Norte? Depois de inflamar o ódio do Ocidente sobre o Islamismo e favorecer o disparate das mentes racistas de extrema direita acadêmica através de teses tresloucadas, como a da guerra de civilizações, o que ficou foi uma insegurança generalizada que permeia até mesmo as relações pessoais.

Nosso momento atual foi denominado de a “Era do medo total”, por Herman Tertsch, que o explica: “É um medo muito especial, generalizado e compartilhado, confessado, contagioso, exagerado, retro alimentado nesta era da mídia em que todas as sensações se multiplicam e se estendem a velocidade de desmaio. Ainda não sabemos como mudara nossas vidas, nossas relações interpessoais, sociais, políticas e internacionais, mas em todo mundo germina a consciência de que nada será igual ao que era”.

E esta insegurança se amplia na medida em que as mentiras são desmascaradas, e os motivos que foram alegados para justificar invasões e guerras não foram comprovados. A final, onde estão as armas de destruição em massa? Pelo contrário, Iraque não se converteu em uma democracia, o conflito entre judeus e palestinos se acirrou e o preço do petróleo disparou, e não sua produção. Como bem lembra Juan Luís Cebrian, enfraqueceram a unidade européia e a aliança atlântica, se multiplicaram as ações terroristas, caiu a confiança das pessoas na classe política, paralisou o tênue processo de abertura no Iran, prejudicou o prestígio dos EUA como primeira democracia mundial e cresceu o numero de jovens mulçumanos dispostos a sacrificar-se em nome de Deus.

A decisão de Putin de atacar bases terroristas em qualquer parte do mundo, apenas corrobora a tese estadunidense – e israelense – do direito ao ataque preventivo como meio de defesa. Mas não nos enganemos, o ataque preventivo não é direito, é “não direito”, é a lei do mais forte aplicada de maneira hipócrita e cínica pelos países detentores das grandes máquinas de guerra. É a vitória de Hobbes - que privilegia a força - sobre Kant – que enaltece o direito, no campo das relações internacionais.

Como afirmou recentemente o historiador britânico Timothy Garton Ash, o terrorismo nunca é justificável, mas muitas vezes é explicável, e suas causas vamos encontrar nas explicações. Se, ao invés de apavorar o mundo com sua hegemonia militar, os EUA procurassem combater os terrorismos com o uso inteligente da prudência, creio que nenhum país do mundo se recusaria a apoiá-los. Nem Europa, nem América Latina estão dispostos a esquecer seus princípios numa aliança cega e a qualquer preço com os neoconservadores de direita que hoje governam os EUA. Ou com o que o ex-Ministro de Relações Exteriores da França, Dominique de Villepin, denominou "imperialismo messiânico dos neoconservadores norte-americanos, no seu livro Le requin et la mouette (O tubarão e a gaivota).

O Brasil se encontra tão preocupado com seus próprios problemas – e estes são muitos - que muitas vezes nos parece que a insegurança mundial não pode nos atingir. Que os temores estadunidenses sobre a Tríplice fronteira são infundados, coisa de gente bem acomodada num escritório de Washington, sem qualquer conhecimento papável da realidade terceiro-mundista que nos rodeia. Porém, se nosso projeto em nível de política exterior é alcançar um maior protagonismo internacional, estamos preparados para pagar o preço da insegurança?

segunda-feira, agosto 30, 2004

A diplomacia das chuteiras

Desde os anos 60 que o Brasil almeja a um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Esse caminho, sabe a diplomacia brasileira, passa necessariamente por um papel de maior relevo no concerto das nações. Na busca desse protagonismo é que o país aceitou o comando de uma missão militar de manutenção da paz no miserável Haiti, da qual aportará a maior parte do efetivo humano. Nossas tropas estão divididas em um batalhão de fuzileiros, um outro de infantaria motorizada, um esquadrão de cavalaria mecanizada e dois pelotões de engenharia. A missão está autorizada pela Resolução nº 1.542 da ONU e orçada em 217 milhões de euros. Dentre os objetivos da missão está o de patrulhar as ruas e desarmar as facções do país caribenho, que possui 80% de seus oito milhões de habitantes vivendo na mais brutal indigência.

O Brasil, através do general Augusto Heleno Ribeiro Pereira, lidera uma força de 6.700 soldados, cascos azuis, 1.622 policiais e 900 funcionários civis que atuarão no Haiti. Desde total, o Brasil aportará um efetivo de 1.200 militares, no maior envio de tropas fora do país desde a participação brasileira na invasão da República Dominicana na época do governo Castelo Branco.

A Missão das Nações Unidas de Estabilização no Haiti, denominada MINUSTAH, foi aprovada pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas – ONU em 30 de abril, e oficialmente teve início em 1º de junho. Os cascos azuis substituíram a uma força internacional comandada pelos EUA, que assumiu a segurança no Haiti depois dos incidentes que ocasionaram a saída do presidente eleito Jean-Bertrand Aristide., em fevereiro deste ano. Atualmente o Haiti possui como Presidente interino a Boniface Alexandre, e como Primeiro-Ministro a Gerard Latortue.

Com base no Capítulo III da Carta das Nações Unidas, a operação no Haiti, ou seja, com base no uso da força para impor a paz. Entretanto, a missão terá três frentes, por assim dizer, sendo a primeira de aspecto militar, a segunda civil e a terceira de reconstrução daquele país, que nasceu há dois séculos como a primeira república negra da América.

Inicialmente, a missão no Haiti terá um prazo de seis meses, mas segundo a opinião do Secretário Geral das Nações Unidas, Kofi Annan, as tropas deverão permanecer naquele país por mais tempo.

Até o presente momento, vários países além do Brasil já ofereceram tropas para a missão do Haiti, como por exemplo Argentina, Bolívia, Canadá, Chile, Croácia, França, Nepal, Paraguai, Peru e Uruguai. Portugal e Espanha ofereceram envio de policia civil.

O Haiti divide com a República Dominicana a Ilha Hispaniola, a segunda maior das Grandes Antilhas, no Mar Caribe. Foi o primeiro país de maioria negra a libertar seus escravos em 1794, e a declarar sua independência em 1804. Entre 1850 ao início do século XX, o Haiti teve 16 presidentes depostos ou assassinados. O país foi ocupado pelos EUA entre 1915 e 1934. Em 1957 assume o poder o médico François Duvalier, o Papa Doc, que instaura uma sangrenta ditadura com o auxilio de seus “tontons macoutes” (bichos-papões), sua guarda pessoal. Depois de sua morte em 1971, seu filho Jean-Claude Duvalier, o Baby Doc, governa Haiti até 1986. O país vem tentando estabelecer uma democracia desde os anos 90.

A pedido do Premier Latortue, a Seleção brasileira de futebol, com o astro Ronaldo, realizou um jogo contra a seleção local, para facilitar o trabalho e a presença das tropas brasileiras naquele país. Em carreata, montados em tanques de guerra, a seleção brasileira desfilou pela capital do Haiti e conseguiu o objetivo de conquistar os haitianos. O Brasil destinou 40 milhões de dólares para sua participação no Haiti, na esperança de que a maior parte desse dinheiro seja devolvida pela ONU. Assim, onde a ONU fracassou na sua missão de paz de 1995-2000, o Brasil estréia com sua diplomacia de chuteiras.

segunda-feira, agosto 23, 2004

A Era Vargas

Bota o retrato do velho
bota no mesmo lugar
que o sorriso do velhinho
faz a gente trabalhar.
Haroldo Lobo e Mariano Pinto, 1951

De repente a foto de Getúlio Vargas está presente em muitas revistas, enchendo as bancas com a figura do ancião astuto que, com seu charuto à mão, sacou o Brasil do tempo das Capitanias hereditárias para enviá-lo ao século XX, dirigindo-o como um verdadeiro Marquês de Pombal. É que dia 24 de agosto próximo comemora-se 50 anos daquela bárbara madrugada de 1954, quando um tiro no peito o remeteu não para a História, pois ele já estava, mas o transformou num mito, no maior mito da política brasileira.

Talvez todas as palavras sobre o mito e o homem Getúlio Vargas já tenham sido ditas nesses 50 anos que nos separam de sua morte, e mesmo assim o caudilho – que gostava mais de ser explicado que de explicar-se – continua a ser um político que guardou a sete chaves o segredo de tamanho sucesso. “Ele nunca deixou de ser um gaúcho de fronteira, que gosta mais de ouvir do que de falar”, explica o sobrinho-neto, Viriato Vargas, de 67 anos, em recente entrevista.

Getúlio, que criou dois partidos políticos, deixou vários herdeiros políticos menores, e seguiu nascendo e morrendo várias vezes ao longo do século XX, com a vitória ou a derrota de cada um deles. Assim, renasceu e morreu junto a João Goulart, para renascer mais uma vez na vitória de seu Ministro da Justiça Tancredo Neves. Por fim, Getúlio falece outra vez em junho de 2004, junto a Leonel Brizola, o último herdeiro do trabalhismo.

Vargas é a equação perfeita do equilíbrio. E a expressão desse equilíbrio se reconhece na sua ambigüidade, no fato de mesmo depois de todos esses anos, continuar a ser uma figura tão contraditória. Oportunista que esperava o cavalo selado para montar, foi de uma praticidade incrível na perseguição de seus objetivos. Entretanto, Vargas foi acima de tudo um sobrevivente político.

Gaúcho de modos mineiros, um firme radical que na verdade se revelava um conciliador, um aglutinador, um negociante nato. Ditador reconduzido ao poder pelo voto das massas. Um provinciano que mesmo no topo do poder, não abandonava os costumes locais. Um filho de São Borja - seu “rincão”, sua “tribo”- Rio Grande do Sul, onde nasceu em 19 de abril de 1882. Na pequena São Borja que deu ao Brasil, além de Getúlio, Jango e Brizola. Como afirmou um conterrâneo de São Borja: “A grandeza deles estava na simplicidade”.

Algumas declarações de Getúlio durante a campanha de 1951 despertam a atenção pela clarividência da sua posição, chegando mesmo a parecer uma premonição ao afirmar: “Eles, os grupos internacionais, não me atacarão de frente (...). Usarão outra tática, mais eficaz. (...) Subvencionarão brasileiros inescrupulosos, seduzirão ingênuos inocentes. E, em nome de um falso idealismo e de uma falsa moralidade, (...), procurarão, atingindo a minha pessoa e o meu governo, evitar a libertação nacional. Terei de lutar. Se não me matarem...”.

O projeto nacional criado por Getúlio Vargas foi o primeiro projeto de Brasil. E, para muitos, o único até agora. Um projeto que mesclava o desenvolvimento nacional a justiça social, dando ao país uma rota a seguir no caminho da industrialização e da coesão social, ao menos a urbana.

A Era Vargas, várias vezes enterrada e nunca morta, seguirá com o mito de Getúlio, habitando o imaginário nacional toda vez que este país conseguir pequenas vitórias na eterna batalha por atingir um grau de desenvolvimento econômico que seja o reflexo do “Brasil grande” que pensamos. O nacionalismo, que se dava definitivamente por morto no final do século XX, cada dia ocupa maior destaque na política das nações. De maneira que o Brasil, que nunca teve vocação internacionalista, cedo ou tarde terá que adotar alguma posição de matiz nacionalista, mesmo com todas as ambições em nível de Mercosul. E seria possível pensar em nacionalismo brasileiro sem ter em mente a poderosa figura de Getúlio Vargas? Como profetizava a marchinha de 1951, composta por Haroldo Lobo e Mariano Pinto, o retrato do velho ainda seguirá por muitos anos.

terça-feira, agosto 17, 2004

O futuro incerto da Venezuela

Se Caracas,
tivesse estabelecido
um governo simples
como requeria sua
situação política e militar,
tu existirias, ó Venezuela,
e gozarias hoje de tua liberdade.

Simón Bolivar,
em “Manifesto de Cartagena”, 1812.


Em seu famoso discurso pronunciado na instalação do Congresso de Angostura, na Venezuela, em 15 de fevereiro de 1819, Simón Bolivar, o “Libertador”, perguntou-se sobre seu período a frente do governo daquele país: “A época da república, que presidi, não foi uma mera tempestade política, nem uma guerra sangrenta, nem uma anarquia popular, mas o desenrolar de todos os elementos desorganizadores; foi a inundação de uma torrente infernal que submergiu a terra da Venezuela. Um homem – e um homem como eu! -, que diques poderia contrapor ao ímpeto dessas devastações?”.

Pois não causaria espanto ao “Libertador” verificar que atualmente a Venezuela está dividida em lados irreconciliáveis, que foram às urnas neste domingo, 15 de agosto, para sacrificar o mandato de um homem eleito pelo voto direto de seus cidadãos, do Presidente Hugo Rafael Chávez Frias, comandante da denominada “Revolução Bolivariana”, grande admirador e fiel discípulo de Simón Bolivar.

Desde sua independência, Venezuela teve vinte e seis Constituições e dezenove Atos constitucionais, o que por si só já demonstra a instabilidade político-institucional do país. Na sua primeira Carta Constitucional, de 1811 - uma das primeiras constituições da América Latina -, já se destacavam características que perseguiriam a história constitucional venezuelana, como a forma federal, o bicameralismo (apesar do Senado haver sido eliminado com a Constituição de 1999) e um forte Poder Executivo. Em 31 de outubro de 1958 foi firmado o “Pacto de Punto Fijo”, o acordo entre os principais partidos políticos do país que fixou as bases da democracia venezuelana contemporânea, e que durou praticamente até o final da década de 1990, período em que a Venezuela ficou conhecida como a democracia mais estável da região.

O bipartidismo imperou na Venezuela até a vitória de Hugo Chávez nas eleições de 1998, sendo que o poder de fato estava nas mãos de dois ex-presidentes: Carlos Andrés Pérez, da Aliança Democrática – AD (social democrata), e Rafael Caldera, do Comitê de Organização Política dos Eleitores Independentes – COPEI (democrata cristão).

Outro elemento importante da política venezuelana é o petróleo, que dominou a economia venezuelana durante todo o século XX, sendo a oscilação do seu preço um importante fator de instabilidade econômica e, por conseqüência, política no país. A industria petrolífera venezuelana foi nacionalizada em 1976, na época do primeiro governo do presidente Carlos Andrés Pérez (1974-1979, período denominado os “anos sauditas”), que levou o país a um protagonismo econômico na esfera latino-americana, repercutindo nos esforços levados a cabo pelo país na formação de blocos de integração regional, tais como o Pacto Andino e o Sistema Econômico Latino-americano – SELA. A Venezuela é atualmente o quinto maior produtor de petróleo do mundo.

Hugo Chávez, militar ex-golpista, sobe ao poder com um discurso nacionalista e anti-corrupção na denominada “Revolução Bolivariana”, vencendo um total de sete eleições (num país onde o voto não é obrigatório), no intervalo de 1998 a 2000: presidencial (com 56,6% de maioria), o referendo constituinte, a eleição dos constituintes, o referendo da Constituição de 1999, as eleições parlamentares, as proporcionais e por fim a eleição presidencial que o reconduziu à presidência. Desde fevereiro de 1999, quando assume o poder, até a tentativa de golpe de 11 de abril de 2002, que o deixou por quase 48 horas longe da presidência, Hugo Chávez implantou diversas reformas profundas na Venezuela.

No referendo revogatório de domingo passado, o primeiro da historia da Venezuela, está em jogo o mandato do Presidente Hugo Chávez, que pela atual Constituição durará até 2007. Para revogá-lo, a oposição necessita de maioria simples de votos para a opção “sim”, ou a quantidade votos superiores aos 3.757.763 votos dados ao Presidente na reeleição de julho de 2000. Caso perda seu mandato, o Presidente Chávez verá subir à presidência a seu vice, José Vicente Rangel - estreitamente ligado ao chavismo - , por um período de até 30 dias, enquanto o Conselho Nacional Eleitoral – CNE (composto por cinco membros, sendo três de perfil chavista e dois de oposição) convocará novas eleições presidenciais.

Como bem expressou o Professor de Ciência Política da Fundação Getúlio Vargas, Octávio Amorim Neto, o futuro da Venezuela é totalmente incerto: “Ou seja, a futuro da Venezuela se encontra completamente em aberto e imprevisível. Uma vez realizado o plebiscito, o país poderá marchar para um renascimento democrático, para uma guerra civil ou para um regime autoritário. A OEA e o grupo de amigos da Venezuela, liderado pelo Brasil, terão um papel de suma importância na mediação dos conflitos que certamente emergirão depois de hoje”.

Por causa do referendo revogatório, ao redor de 3,5 milhões de venezuelanos se integraram às listas eleitorais, perfazendo um total de mais de 14 milhões de eleitores (sem contar os mais de 50 mil eleitores que vivem no exterior) aptos a votar no domingo, 15 de agosto de 2004.

As forças armadas, que muitas vezes deram a última palavra sobre quem presidiria a Venezuela, já se manifestaram através do seu comandante-em-chefe, o general Raúl Isaías Baduel, que seja qual for o resultado do referendo “atuarão para sufocar quaisquer tentativas de violência”, afastando qualquer possibilidade de golpe militar no país. Entretanto, no último día 12 de agosto, afirmou em tom de pergunta o Presidente Chávez: "¿Cree alguien que los dignos militares venezolanos (...) van a quedarse en los cuarteles de brazos cruzados o en sus casas de brazos cruzados a esperar que vengan los nuevos jefes militares, los golpistas, de ministros de la Defensa y jefes militares? No lo aceptarían, los conozco".

Tanto o Comandante-em-Chefe do exército venezuelano, general Raúl Isaías Baduel, quanto o Ministro da Defesa, general Jorge Luis García, atuaram na resistência e resgate do Presidente Hugo Chávez quando da tentativa de golpe de 11 de abril de 2002. De maneira que todos os postos de mando importantes nas forças armadas estão nas mãos de militares que resistiram à presidência de quase 48 horas do empresário Pedro Carmona.

De acordo com o art. 72 da Constituição Bolivariana de Venezuela é possível revogar o mandato presidencial, tendo sido cumprido a metade do seu período e mediante apresentação de 2,4 milhões de assinaturas. É a figura constitucional do “referendo revogatório”, introduzido no mundo constitucional da América Latina pela Carta venezuelana de 1999. A pergunta feita no último domingo aos venezuelanos foi: “Está você de acordo com deixar sem efeito o mandato popular outorgado mediante eleições democráticas legítimas ao cidadão Hugo Rafael Chávez Frías como presidente da República Bolivariana de Venezuela para o atual período presidencial? ("¿Está usted de acuerdo con dejar sin efecto el mandato popular otorgado mediante elecciones democráticas legítimas al ciudadano Hugo Rafael Chávez Frías como presidente de la República Bolivariana de Venezuela para el actual periodo presidencial?").

A presença de quase 180 observadores internacionais, dentre eles presidentes de tribunais eleitorais latino-americanos, da Organização dos Estados Americanos – OEA e do próprio ex-Presidente dos EUA Jimmy Carter, presidente do Centro Carter, vão garantir a lisura do sufrágio venezuelano.

A aumento no preço do petróleo ajudou a fragilizada economia venezuelana, e o governo não poupou gastos com o assistencialismo das camadas más pobres da população, através das denominadas “missiones”, encarregadas de atender às necessidades básicas desta população carente que ocupa as favelas ao redor de Caracas e outras cidades do país. Esse é o voto que deu a vitória neste domingo a Hugo Chávez, e que o manterá no poder até janeiro de 2007, a contragosto das classes média e alta.

Por outro lado, o resultado do referendo de domingo afeta diretamente a Cuba. Fidel Castro mandou a Venezuela mais de 13 mil médicos, que cuidam gratuitamente da população pobre do país, e vivem nas favelas das grandes cidades. Em retribuição, Chávez envia a preços vantajosos um terço do petróleo consumido em Cuba, que corresponde a 53 mil barrís de petróleo ao dia.

No final daquele discurso de 1819, Bolivar pediu ao Congresso venezuelano que se instalava: “Dignai-vos conceder à Venezuela um governo eminentemente popular, eminentemente justo, eminentemente moral, que domine a opressão, a anarquia e a culpa. Um governo que faça reinar a inocência, a humanidade e a paz. Um governo que faça triunfar, sob o império de leis inexoráveis, a igualdade e a liberdade”. Nada mais atual.