sexta-feira, dezembro 23, 2005

Sorte no amor



Moonlight and love songs
Never out of date.
Hearts full of passion
Jealousy and hate.
Woman needs man
And man must have his mate
That no one can deny.
It's still the same old story
A fight for love and glory
A case of do or die.

The world will always
welcome lovers
As time goes by.

As Time Goes By,

Herman Hupfeld, 1931

O amor é uma dádiva de Deus aos homens para que estes se sintam um pouquinho menos só, nesta existência tão vazia. O amor, também, é sorte. Porque não basta somente amar e amar, mas é necessário ter a sorte de ser amado. E ser amado não por qualquer pessoa, mas pela pessoa a quem se ama. O amor é jóia preciosa, perdida no meio do lixo da vida humana, à espera que alguém de sorte o encontre e saiba lhe dar valor. O amor é o começo e o fim, é a volta ao princípio da partida, é a solidão acompanhada e a companheira no alto do Everest.

Tantas vezes tentei o caminho do amor, acreditando num futuro a dois, e tantas vezes chorei sozinho no escuro do meu quarto entre lembranças e rancores. As frases que’u nunca disse, as flores que nunca dei, a loucura de amor que’u nunca fiz. Minhas lembranças nunca saíram de mim, isso eu sei, e já não posso seguir com elas. É necessário descarregar o peso da minha alma cansada em algum cais de porto. Quando se anda tanto, a gente acaba sendo um pouco de todo lugar e, ao mesmo tempo de nenhum lugar. A busca do amor em paz esconde em si a busca do amor maior, do grande amor.

Mas o amor é bicho caprichoso, requer cuidado acima das forças de um homem comum, sem maiores pretensões que amar uma mulher que lhe queira mais que ao mundo. Deixei passar tantas oportunidades de felicidade por acreditar nos indecifráveis desatinos do meu coração. Um coração “viciado em amar errado”, como um dia disse Cazuza. Um coração que quebrou as amarras do porto há anos e navega num mar de amores que trouxeram mais dor e solidão que companhia para as tristes tardes de domingo.

Por isso, ao me verem sozinho, não pensem que ali está sentando um homem que nunca amou, mas acreditem que ali está um homem que amou demais e que imagina conhecer quase todos os mistérios existentes no ato de amar. Sim, eu sei o sabor de todos os adeus, conheço os sons das portas batidas a esmo e toda a solidão das salas de espera dos aeroportos.

E depois de tudo, principalmente no Natal, ainda confundo essa dor de estomago com saudade, e este gosto amargo de lágrimas e soluços com o mais pesaroso sentimento de fracasso diante desse amor partido que nunca vai voltar, e que nunca será o mesmo.

Hoje a noite eu dormirei sozinho. Mais uma vez.

* Escrito em Brasília, em 12 de fevereiro de 2005.

sexta-feira, dezembro 16, 2005

Evo Morales da Bolívia



Um índio descerá de uma estrela
colorida e brilhante
De uma estrela que virá
numa velocidade estonteante
E pousará no coração
do hemisfério sul,
na América,
um claro instante

Índio,
Caetano Veloso

Durante as guerras de independência da América espanhola, no século XIX, Bolívia era apenas uma província do Vice-reino da Prata, que viria a ser hoje a Argentina, assim como o atual Paraguai. A região do altiplano andino já tinha financiado a riqueza e decadência do Império espanhol, através das minas de prata de Potosí. O próprio nome de Bolívia foi uma homenagem interessada ao libertador Simon Bolívar, para assegurar assim, sua pessoal defesa da independência da região não somente dos espanhóis, mas também dos futuros argentinos. Entretanto, a Bolívia se liberta do Império espanhol pelas mãos do General Sucre, e não pelas de Bolívar, como muitos imaginam.

O certo é que a Bolívia conseguiu sua independência, de europeus e crioulos, para tornar-se o país sul-americano com o maior número de golpes de Estado de sua história e um dos mais pobres. O país perdeu todas as guerras em que entrou, com conseqüências graves o território nacional, mas muito piores para sua população, majoritariamente de indígenas Aymara e Quéchua: a Guerra do Pacífico (1879-1883) – Apoiou o Peru contra o Chile, perdendo ao final sua saída ao Oceano Pacífico; b) Guerra do Chaco (1932-1935) – Contra o Paraguai, em que perdeu dois terços da região conhecida por “Chaco”.

O Professor espanhol Manuel Alcántara, no seu clássico “Sistemas Políticos de América Latina” afirma que a Bolívia “tradicionalmente foi uma república oligarca, monopolizada pela minoria branca, assentada no Altiplano, onde praticamente o Estado não existiu até meados do século XX”. A mineração, sua tradicional maior riqueza, e hoje em dia o gás natural, sempre caminharam juntos com a política, tendo o exército nacional como elemento de força a serviço das classes dominantes.

Neste quadro terrivelmente terceiro-mundista, de distanciamento entre a classe política, as elites econômicas e a população, o país sofreu protestos sociais desde 2004 que cumularam na deposição dos presidentes Gonzalo Sánchez de Lozada e, em junho de 2005, a Carlos Mesa.

Contudo, Bolívia poderá eleger neste domingo seu primeiro presidente saído da maioria étnica espoliada e esquecida durante séculos. O ‘aymara’ Evo Morales, atual deputado pelo Partido “Movimiento al Socialismo - MAS” e líder dos “cocaleros”, leva 34% das intenções de voto. Seu principal adversário, o ex-presidente direitista Jorge Quiroga, segue na disputa com 29% das intenções de voto, segundo a imprensa boliviana.

Evo Morales fundou o “Movimiento al Socialismo – MAS” em julho de 1987, mesclando oriundos do sindicalismo, do marxismo da década de 1970 e do movimento social dos produtores de coca. Desde então o partido apenas cresceu, sendo o segundo mais votado em 2003 e o primeiro nas eleições municipais de 2004. Concorrendo à presidência em 2002, Evo Morales ficou em segundo lugar. Caso vença domingo, Evo Morales já possui a palavra do Mercosul de que seu país será elevado à categoria de membro de pleno direito.

Sobre sua afinidade com o Presidente Lula, disse Evo Morales: “Me sinto muito unido a Lula, que vem da luta sindical, assim como eu venho da luta dos trabalhadores rurais. Seus pais eram analfabetos como os meus. Eu não terminei o segundo grau e jamais tive uma empregada doméstica. São muitas coincidências e por isso o considero como um irmão mais velho”.

Esta será a sétima presidencial boliviana, desde a redemocratização do país em 1982. Ademais, se elegerão, pela primeira vez, os governadores de seus nove departamentos administrativos, denominados “Prefectos”, que prepararão o referendum sobre a autonomia destes departamentos, em julho de 2006. Para 2006 o país convocará uma Assembléia Constituinte que promulgará uma nova Constituição. Oito partidos políticos concorrem nestas eleições.

Pela atual Constituição boliviana, a eleição presidencial acontece em um único turno, no qual o candidato para sair vencedor deve conseguir a maioria simples dos votos. Caso isso não ocorra, o Congresso nacional deve escolher o presidente.

Neste domingo, pouco mais de 3,5 milhões de bolivianos elegerão a 130 deputados, 27 senadores e nove governadores de departamentos. Decidirão sobre algo mais, decidirão sobre seu próprio futuro como nação, escolherão quem deve ser beneficiado pelas riquezas de seu país. Que Bolívia eleja o ‘aymara’ Evo Morales, que Bolívia eleja a Bolívia, pela primeira vez em sua história, neste domingo.

quinta-feira, dezembro 08, 2005

Simplesmente John



Love is the answer
and you know that for sure

Love is a flower,
you got to let it,
you got to let it grow

John Lennon,
Mind Games,
1973.



Estávamos nas férias de dezembro de 1980, quando a noticia da morte de John Lennon chegou na minha casa. Acho que foi o Cid Moreira quem anunciou no Jornal Nacional. Eu tinha apenas 11 anos, mas adorei “Imagine” desde a primeira vez que ouvi. Sim, a primeira vez que ouvi “Imagine” foi com a noticia da morte de Lennon. Depois, pedi dinheiro ao meu pai e comprei um compacto simples, na loja Caiçara que ficava pertinho da praça João Luis Ferreira, e “Imagine” passou a ser presença constante nas festinhas que a meninada organizava na vizinhança. Acredito, sinceramente, que a minha primeira paixão aconteceu no exato momento em que eu dançava com a filha da vizinha, embalado por essa música, no terraço da nossa casa.

Depois, em 1981, eu já estava estudando inglês e me lembro do dicionário do Yázigi, aquele da capa amarela e páginas cheirando a Bíblia, aberto pra traduzir a canção. Aí comecei a ganhar disco dos Beatles no meu aniversário. Todo mês de julho começou a chegar disco dos Beatles em casa, numa tradição que se repete até hoje. Tenho uma amiga escocesa chamada Linda que até hoje me manda discos piratas dos Beatles no meu aniversário, pois os discos catalogados já tenho todos, em “bolachão” e em CD.

De maneira que os Beatles passaram a ser companheiros de adolescência, verdadeiros amigos naquelas tristes tardes de tédio, sonhos vazios e consciência pesada pelas notas baixas e pela falta de perspectivas de mudança num futuro próximo. O tempo se arrastava naquelas tardes agarrado ao livro de química do Geraldo Camargo, mas com a cabeça viajando por longínquos lugares cheios de pernas, coxas, peitos e pelos pubianos. Como a puberdade cobrava seu preço naquelas tardes ausentes de musas sensuais.

John morreu em 8 de dezembro de 1980, tinha 40 anos, e desde então lá se vão 25 anos. Tempo que transformou aquele pré-adolescente e que mudou alguma coisa nesse louco mundo em que vivemos. John agora é só um mito, talvez o maior de todos os mitos da cultura pop do século XX.

Suas músicas continuam tocando, principalmente "Happy Xmas (War is over)", a mensagem originalmente escrita pra o natal de 1969, no Natal (e aqui abro um parêntese para mandar ao diabo a versão ridícula cantada pela Simone). Inclusive Yoko Ono fez as pazes com Paul McCartney, bem antes da morte de George Harrison, autorizando a gravação da inédita “Real love”, cantada por John e incluída no “Anthology 2” dos Beatles.

Nestes 25 anos sem John, a música dos Beatles e a produção individual de Lennon apenas cresceram e se valorizaram ainda mais. Desde que a banda inglesa Queen gravou a música “Life is real”, tornou-se lugar comum qualificar a John como gênio. Ele mesmo já tinha referido a si mesmo como gênio, afirmando ser uma carga por demais pesada. Suas posições políticas - destacadamente sua posição pacifista, em contra da guerra do Vietnã, seu apoio aos movimentos de esquerda estadunidenses, a defesa do feminismo e sua luta em favor dos Direitos Civis – o tempo demonstrou que foram acertadas. Como também se demonstrou mais tarde, ao abrirem-se aos arquivos da CIA, que não era paranóia sua a perseguição que sofreu nos EUA pelo governo Nixon.

John certamente foi o último grande nome da cultura pop a rebelar-se contra o sistema. Um rebelde com uma guitarra e uma idéia de igualdade na cabeça, gritando pela transformação do mundo em que vivia, de mãos dadas com sua mulher de quimono. Um exemplo pra todo idiota que pensa que está bem na vida, pois inclusive os milionários podem ser revolucionários, podem querer transformar o mundo, mudar o planeta e lutar pelas enormes injustiças que acontecem todo dia em qualquer cantinho da terra. Pensando globalmente, mas agindo localmente. Dar uma real contribuição para melhorar nossa comunidade. Tudo isso era John, e nada disso ficou desbotado nestes 25 anos passados.

Há uma imagem de John andando super feliz pelo Central Park, em Nova York, sorrindo na cidade que ele escolheu pra viver. É essa imagem que vou recordar neste 8 de dezembro de 2005, a imagem de um homem resolvido consigo mesmo, com o seu passado, e feliz da vida.

quarta-feira, novembro 30, 2005

O feijão e o sonho


Debemos mirar más que somos
padres de nuestro porvenir
que hijos de nuestro pasado.

Miguel de Unamuno

Todos sabemos que o governo Lula sofreu abalos pelos escândalos provocados pelas denúncias de pagamento de congressistas para votar os projetos do Governo no Congresso Nacional, a partir de junho de 2005. As denúncias de pagamento de “mensalão”, feitas pelo ex-deputado federal Roberto Jefferson, ex-presidente do Partido Trabalhista Brasileiro – PTB, causaram a saída do ex-ministro e homem forte do governo Lula, José Dirceu, Chefe da Casa Civil da Presidência, além da abertura de uma série de Comissões Parlamentares de Inquérito – CPIs. Ademais, o escândalo tolheu a Delúbio Soares, tesoureiro nacional do Partido dos Trabalhadores – PT e ao Secretário Geral do partido, o deputado José Genoino.
O Presidente Lula já deixou escapar que pretende ser candidato à reeleição. Em sua candidatura de 2006, os cronistas políticos apontam a possível presença do Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Nelson Jobim, como forte candidato a ocupar a vaga de Vice-presidente na chapa encabeçada pelo Presidente Lula.

Entretanto, atualmente, a economia brasileira é uma das mais saudáveis e dinâmicas da América Latina, tendo o PIB de 2004 alcançado o índice histórico de 5,1% de crescimento, segundo dados da CEPAL. O país terminará uma relação de 24 anos com o ‘Clube de Paris’, pagando àqueles credores quase 2,5 bilhões de dólares até dezembro de 2006. Inclusive, as amortizações da dívida externa para 2006 serão as menores desde os últimos seis anos, graças à redução do endividamento pela adoção do regime de câmbio flutuante, adotado em 1999. Até o Relatório de Desenvolvimento Humano 2005, que mostra a situação do desenvolvimento humano no mundo, no tocante ao ranking dos países quanto ao Índice de Desenvolvimento Humano – IDH, coloca o Brasil ocupando a 63ª posição, de um total de 177 países. Vale recordar que em 2004, o país ocupava a 72ª posição.

Durante os três primeiros anos do governo do Presidente Lula, vários programas sociais foram lançados para combater escandalosa desigualdade social do país, sendo o “Bolsa Família” o programa modelo, que pretende integrar a 8,7 milhões de famílias pobres até o final de 2005. As estimativas do governo federal é que 11 milhões de famílias sejam atendidas pelo “Bolsa Família” até 2006.

Em 2005, os indicadores sociais brasileiros tiveram uma melhoria significativa, como demonstra as pesquisas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE e da Fundação Getúlio Vargas – FGV.

De acordo com o IBGE, os dados da Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios – PNAD, referentes a 2004, a desigualdade diminuiu no Brasil, sendo que o Índice Gini, que mede a concentração de renda, registrou sua melhor pontuação nos últimos 23 anos: 0,559. Destarte, segundo o IBGE, a redução da desigualdade no país, apenas nos dois primeiros anos de governo do Presidente Lula foi 50% maior que nos mandatos do Presidente FHC, e graças aos ganhos dos mais pobres. Ademais, a Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios – PNAD, do IBGE, registrou uma acentuada melhoria no nível de escolarização de crianças e adolescentes em todas as regiões do país.
Os índices de melhoria social registrados pela Fundação Getúlio Vargas – FGV, são condizentes com aqueles apresentados pelo IBGE. Assim, os dados da FGV apontam para o fato de que o Brasil poderá cumprir uma das Metas do Milênio da Organização das Nações Unidas – ONU, ou seja, a redução da miséria em 50%, dez anos antes do previsto, posto que o prazo estipulado era de 25 anos, de 1990 a 2015. De acordo com o Centro de Estudos Sociais - CES da FGV, a diminuição da desigualdade social durante apenas os três primeiros anos do novo milênio já é a maior de toda história brasileira.

A FGV destaca que a diminuição da pobreza no país entre 1993 e 2004 foi de 31,41%, porém é a partir de 2001, com políticas de distribuição de renda, que o Brasil começa realmente a reduzir o número de pobres. Por fim, as razões concretas para a diminuição das desigualdades sociais no Brasil, apontadas pela FGV foram o aumento expressivo da escolaridade e do emprego, bem como do “acerto do governo em programas sociais”.

Portanto, entre 2003 e 2004, nada menos que 3,180 milhões de brasileiros saíram da indigência, isto é, da miséria absoluta, segundo os dados estatísticos publicados em 2005. Este volume humano corresponde a uma população equivalente ao Estado de Alagoas ou do Espírito Santo. A última vez que a pobreza diminuiu no Brasil foi durante o Plano Real, em 1995.

sexta-feira, novembro 11, 2005

Arde Paris




Avante, filhos da Pátria,
o dia da Gloria chegou.
O estandarte ensangüentado da tirania
contra nós se levanta.
Ouvís nos campos rugirem
esses ferozes soldados?
Vêm eles até nós
degolar nossos filhos,
nossas mulheres.
Às armas cidadãos!
Formai vossos batalhões!
Marchemos, marchemos!
Nossa terra do sangue impuro se saciará!

A Marselhesa
Rouget de Lisle & Dietrich,
Hino nacional francês


O mundo ficou paralisado diante das notícias sobre a revolta urbana na cidade de Paris. O que muitos já denominam de “Revolução do Subúrbio” ou “Intifada Francesa” estourou, pondo em xeque-mate a política francesa de integração social dos imigrantes, e de seus descendentes, que ocupam os bairros pobres da periferia das grandes cidades, especialmente na de Paris. Mais de trezentas localidades já foram palco de distúrbios por toda a França. O balaço parcial dos incidentes aponta para mais de 6.600 veículos destruídos, quase 1.800 pessoas presas, 11.500 policiais destacados para conter a violência e um morto.

Tudo começou em Clichy-sous-Bois, periferia parisiense, no sábado, dia 27 de outubro, quando dois adolescentes, Bouna Traore e Zyed Benna, de 15 e 17 anos, respectivamente, morreram eletrocutados, quando fugiam da polícia. Nesta mesma noite, cerca de 200 jovens começam a revolta e incendeiam quinze veículos. No dia 29 de outubro, uma passeata silenciosa de cerca de quinhentas pessoas protesta pela morte dos adolescentes, vestindo camisetas onde se lia: Mortos por nada!

O segundo fato que aumentou a combustão da revolta ocorreu dia 30 de outubro, quando uma bomba de gás lacrimogêneo, de uso policial, foi jogada dentro de uma mesquita da periferia de Paris, La Forestiére, durante um momento de oração.

A resposta do governo, através do Ministro do Interior, Nicolas Sarkozy - potencial candidato da direita para ocupar a Presidência francesa em 2007-, foi endurecer a repressão policial, defendendo a política da “tolerância zero”, além de negar a participação da polícia na morte dos adolescentes. Ou seja, tratando o problema como simples caso de violência urbana de gangues, e não como um caso social. Para complicar ainda mais, o ministro utilizou uma linguagem pejorativa para referir-se aos jovens revoltosos, o que apenas realçou seu papel de vilão dos excluídos do sistema, moradores do subúrbio. No Congresso francês, a oposição de esquerda lembra o fato de que o ministro extinguiu a “policia de bairro”, criada pelo ex-Premier socialista Leonel Jospin, bem como o corte brutal nos gastos sociais.

Desde então, a violência campeia nas madrugadas da periferia de Paris, estendendo-se por diversas outras cidades francesas, sendo os principais atores do movimento jovens desempregados e sem estudos, entre 14 e 20 anos de idade. O momento crucial ocorreu na noite do dia 5 de novembro, quando quase 1.300 veículos foram queimados e mais de trezentos jovens foram presos.

Depois que o Presidente Jacques Chirac se pronuncia publicamente destacando que a prioridade absoluta seria o restabelecimento da segurança e da ordem pública, o Primeiro-ministro Dominique de Villepin autoriza que seja decretado “toque de recolher” em todo o país. Como se não bastasse, desde o dia 8 de outubro, está em vigor na França o “estado de emergência”, pelo qual se permite ao governo aplicar “medidas extraordinárias para garantir a ordem pública”, como por exemplo suspensão de habeas corpus, proibição de circulação e de reunião. Essa legislação remonta a 1955, período em que a França se encontrava metida até o pescoço na guerra colonialista contra a independência da Argélia.

A periferia de Paris é habitada por imigrantes ilegais, principalmente oriundos do Marrocos, Argélia, Tunísia e Mali. Essa população, que oscila entre 30 e 150 mil pessoas, sofre por altos índices de desemprego, violência, drogas, discriminação, extremismo islâmico e pela precariedade sanitária, frutos do abandono estatal. Se na França o desemprego roda a casa dos 9,9% da população ativa, na periferia atinge os 20,7%, chegando aos 26% com relação aos jovens suburbanos do norte de Paris. O governo direitista francês já cortou, desde os tempos de Jean-Pierre Raffarin, em 2002, mais de trezentos milhões de euros que seriam aplicados em programas sociais para essa parte da população, destacando programas de coesão social e de moradia popular.

Essa periferia, denominada em francês ‘banlieue’, pela própria origem da palavra já se explica. No século XVII, o Rei expulsava, em francês bannir, à periferia de um determinado lugar, lieu em francês, àqueles súditos considerados perigosos. Hoje, o sistema expulsa para a periferia os pobres de todos os credos e cores. Para o sociólogo Alain Touraine, “a França entrou numa fase aguda de desintegração marcada por sua vez pela rejeição do país pelos grupos minoritários e por um progressivo fechamento comunitarista”. Para ele, “os jovens não querem mudar as coisas, mas destruí-las”.

Durante mais de cem anos, a República Francesa, com seus valores universais, recebeu operários poloneses, italianos, espanhóis e portugueses, transformado seus filhos na vibrante classe media francesa. Entretanto, esses mesmos valores universais não seduzem, nem integram, àqueles que vieram de seu antigo império colonial. Como afirma o sociólogo Alain Touraine, sobre os bairros dominados pelo islã, a segunda religião do país: “Hoje, na França, se produzem fenômenos de segregação, guetos. Antes não existiam bairros homogêneos, mas agora há bairros inteiros nos quais ninguém compra carne de porco nem bebe vinho". E conclui: “o problema hoje não é a exploração, mas a exclusão".

O fracasso do estado francês, essa imensa máquina de valores republicanos universalistas capaz de fabricar franceses felizes, é patente. Os Trinta Gloriosos anos de crescimento econômico, período comandado por Charles de Gaulle, suplantou a perda do império colonial durante as décadas de 1950 e 1960. Contudo, o país não se reconhece, e tampouco se entende. A rejeição da Constituição Européia no referendum deste ano demonstra a falta de harmonia da sociedade francesa atual, que juntamente com a alemã, formam a locomotiva da União Européia. Por outro lado, o crescimento eleitoral da ultra-direitista Frente Nacional, comandada pelo fascista Jean-Marie Le Pen, que chegou ao segundo turno nas eleições presidências de 2002, se aproveita da revolta para ampliar suas profecias apocalípticas contra a imigração.

Enfim, o problema francês possui uma vitrine, que no entanto não ilustra a totalidade da exclusão, que vai além da cor e do credo: A seleção francesa de futebol, que joga com sete negros na equipe titular. Entretanto, não há nenhum no Parlamento nacional.

quarta-feira, outubro 26, 2005

Rosa do Alabama




Foi um dia como outro qualquer.
A diferença foi que as pessoas se uniram.
Nunca pensei que se transformaria nisso.

Rosa Lee Parks


Era uma vez uma costureira pobre que voltava para casa no fim da tarde, depois de um dia duro de trabalho. No ônibus, um sádico motorista gritou para que ela, e três outros passageiros, se levantassem para que um único passageiro pudesse eleger onde sentar. Mas, o que alçava aquele passageiro à categoria de melhor passageiro entre os demais, se todos pagaram o mesmo valor pelo bilhete da viagem?

No Estado do Alabama, EUA, durante os anos da década de 1950, vigoravam leis de discriminação racial, pelas quais os negros eram considerados cidadãos de segunda categoria, e, conseqüentemente, segregados em escolas, banheiros e transportes coletivos. Nos ônibus, os assentos dianteiros estavam reservados aos brancos, os de atrás aos negros e os do meio, também aos brancos. De acordo com as leis daquele verdadeiro apartheid estadunidense, aquela pobre costureira negra deveria ter se levantado para ceder seu assento a um passageiro branco, pois se encontrava em um assento do meio do ônibus. Assim determinava a lei. A lei que embora norma jurídica fosse, era ilegítima e imoral, e que portanto atentava contra o Direito.

Naquele 1º de dezembro de 1955, a senhora Rosa Lee Parks, a costureira pobre de nosso artigo, moradora da casa 634 no conjunto habitacional proletário de Cleveland Court, decidiu não se levantar. E desde aquele momento a chama da liberdade voltou a brilhar no altar da dignidade humana e a história dos EUA jamais foi a mesma. Imediatamente presa por desrespeito à lei do Alabama, a senhora Parks, aos 42 anos, tornou-se um símbolo da luta contra a discriminação racial não somente nos EUA, mas em todo o mundo. Em reação à sua prisão, a população negra da cidade de Montgomery, capitaneada pelo então jovem pastor batista Martin Luther King, promoveu um boicote ao transporte coletivo que durou mais de ano, e forçou o fim das leis racistas no sul dos EUA.

Vale lembrar que os principais atos de resistência pacífica naquele período foram promovidos por mulheres, o verdadeiro substrato do movimento. E não somente mulheres negras, pois houve uma participação ativa de muitas mulheres brancas, conscientes e comprometidas com o movimento, como por exemplo a patroa da senhora Parks, Virginia Durr.

O incidente serviu de estopim para a luta pelos direitos civis nos EUA, que culmina em 1964 com a revogação das leis de segregação racial estadunidenses e que, posteriormente, encontrarão eco, anos depois, nos assassinatos de Martin Luther King, ganhador do Nobel da Paz, e do Presidente Kennedy. Além de transformar a senhora Rosa na verdadeira pioneira da luta contra a discriminação racial nos EUA.

A senhora Parks cresceu marcada pela humilhação e desde criança estava acostumada a dormir vestida, caso precisasse fugir de sua casa no meio da noite por causa de algum ataque da Ku Klux Klan. Sua militância contra a discriminação racial apenas aumentou quando não pôde votar no Presidente Roosevelt, pois naquela época nos EUA, os negros tinham que pagar uma taxa especial para votar, além de prestarem um teste escrito. Mais tarde, foi eleita secretária da ‘Associação Nacional para o Progresso de Pessoas de Cor’, hoje o maior lobby negro dos EUA, como relata a jornalista Maria Ramírez, para o jornal espanhol El Mundo.

A senhora Rosa Parks morreu esta semana, em companhia dos amigos, aos 92 anos de idade, respeitada e reverenciada por sua luta, coberta pelo reconhecimento nacional. Pela sua militância em prol dos direitos civis, ela ganhou os dois maiores prêmios estadunidenses: a Medalha Presidencial da Liberdade, em 1996, e a Medalha de Ouro da Honra, do Congresso dos EUA, em 1999.Contudo, a senhora Rosa Parks não foi a primeira mulher a ser presa por descumprir a lei de apartheid estadunidense, pois naquele ano de 1955 duas outras já o haviam sido, sendo que a primeira foi Claudette Colvin.

Em 1956, a Suprema Corte do Alabama decidiu pela inconstitucionalidade da lei de segregação racial no transporte coletivo. Entretanto, naquele dia 1º de dezembro de 1955, alguém reagiu quase que em silêncio aos gritos irracionais do racismo, olhando pela janela do ônibus uma solitária senhora deu uma das maiores lições de dignidade humana a toda humanidade. Seu nome era Rosa Lee Parks, louvado seja.

segunda-feira, outubro 17, 2005

A grande família




I would love to go
back to the old house
but I never will

Back to the old house

THE SMITHS,
em “Hatful Of Hollow”,
novembro de 1984,
Reino Unido.


Deus é realmente um sujeito muito irônico. Mas que grande presente que nos deu. A família é sempre necessária, tanto em boas horas, como nas horas ruins. Ter um pai, uma mãe, irmãos! Que benção divina! Que sopro divino é possuir gente de nosso sangue por perto, nem que seja pra dizer que não estamos muito bem.

Sinto profundamente muita pena daqueles que nunca saberão o que é ter uma família. Não que devamos sempre estar junto dela. É necessário, às vezes, afastar-se, calar a boca, fugir de suas tão familiares opiniões. Às vezes, é necessário um pouco de sadio individualismo e caminhar sozinho. Mas todos estes momentos não conseguem apagar a grande importância que é ter uma família, um endereço certo, uma direção para as cartas chegarem.

Principalmente, quando os tempos não estão tão bons e a vida parece um filme sem graça, é quando mais precisamos de casa. Portanto, nem falar de quando estamos sozinhos, num país distante, longe destas pessoas que nos aceitam quase por obrigação ou costume, sem julgamentos duros, com uma complacência que não se encontra no mundo real.

Lembro até hoje do meu pai, sempre indo trabalhar. Nunca estava por perto, sempre tinha que ir trabalhar. Como aquela frase muito antiga que eu vi num filme destes qualquer, tipo “Sessão da Tarde”: Pai é como luz de geladeira, a gente não sabe o que acontece quando fecha a porta. De maneira que ele apenas saia pra trabalhar, da mesma maneira que fechamos a porta da geladeira.

E me lembro, mais ainda, de seu cheiro. Cheiro de pai. Eu sei que é difícil para quem nunca teve pai por perto compreender sobre o que’u estou me referindo, mas todo pai sempre tem esse cheiro de pai. É um cheiro natural, não é forte nem fraco, é um cheiro único. Como sentir e nunca esquecer o cheiro da mulher amada. Todo pai possui o cheiro de pai, e dele não se pode falar muito, pois é necessário ter pai para compreender, para saber do que estou dizendo.

Igual ao cheiro de pai, é preciso sentir o cheiro de mãe, esta coisa tão estranha, este ser tão misteriosos. Afinal, você estava dentro dela por nove meses, e se não consegue lembrar deste tempo, não se preocupe, quase ninguém pode lembrar mesmo. Mas é preciso lembrar quantas vezes esta mulher te protegeu do teu pai, do braço forte, da voz dura e da palmada segura.

E, como se não bastasse, é necessário lembrar do cheiro de avô e de avó, da casa grande e velha, que está naturalmente no interior, na cidade da infância, no mundo do passado e que não tem, necessariamente, que ser feliz. Somente é a casa de teus avós, a casa dos velhos que tiveram um dia um menino que hoje é teu pai. Sem esquecer das tias, velhas tias, sempre tão tias. No meu caso a cidade da memória é Floriano, está no sul do Piauí, naquela grande curva do rio Parnaíba, e a velha casa grande está na rua José Messias, não importa se o nome da rua mudou, para mim será sempre rua José Messias.

A grande família continua, com novos personagens, com as netas e netos, crianças que não nasceram de ti, mas do sangue dos teus irmãos. Meninas e meninos que estarão prontos pra vida, para o amanhã, para o indecifrável futuro que hoje construímos, sem nos esquecer do passado.

Mas não é só. Há os tios, os primos, a grande família cresce em progressão geométrica. Não consegue parar. As listas de chamadas das escolas de amanhã estarão cheias de sobrenomes conhecidos, tão próximos e, talvez, tão distantes.

É ávida, que igual a um rio, não pode parar. E renasce a cada dia, queiramos ou não. Segue seu percurso, seu inevitável caminho temporal. Talvez a grande família seja apenas um pensamento divino, um segundo na grande página do tempo, mas é o que basta pra mim, que caminho sozinho, nesta avenida iluminada de luz amarela e vento frio, que todo mundo chama “vida”, e que chamo “destino”.

* Escrito na cidade de Valencia, Espanha, em 31 de maio de 1999, primavera.

segunda-feira, outubro 10, 2005

Os Freitas





Eu nasci muito longe de onde cheguei,
talvez esteja no caminho de volta para casa, mesmo se até hoje não sei exatamente onde é minha casa.
Bob Dylan.



Às vezes penso em meu pai, em meu irmão, meus primos e em meu tio Benedito. São os Freitas. Sim, são os Freitas e são bons pra valer. São melhores que eu. Os Freitas são homens de bom coração, porém sem alma. Incapazes de gritar no porto ao ver o sol se pôr, são demasiado verdadeiros para se mostrarem de verdade.

Os Freitas estão por aí, e todos podem encontrá-los, na esquina, na missa, comprando um jornal, na festa nacional, ou no baile secreto. São homens cordiais, são amigos sinceros. Buscam algo que ainda não sabem. Escondem sua dor. Jamais sentiram dúvida sobre nada, os Freitas sempre possuem a frase certa e conhecem a palavra sagrada. E se vestem de diversas formas, mas sempre estão muito a gosto, seja em bermudas ou em tênis multicoloridos.

E existem mulheres que se enamoram dos Freitas. Algumas sabem quem são de verdade, mas todas conseguem dominá-los, pois os Freitas são homens de bem. A ordem, as eleições estão chegando e os Freitas já sabem em quem votar. Afinal, os filhos precisam de paz e tranqüilidade, nada de agitação. No mundo dos Freitas não há tempo para dúvidas. Que importa se jamais conseguimos fazer o gol de primeira no Maracanã lotado? Temos a tradição, o nome, o valor, as tias moças velhas em Floriano, a semana santa em Oeiras.

Alguns estão velhos, como o Antonio Rocha, outros estão mortos, como Senhor Rocha. Outros, não sabem que já morreram há muito e continuam vagando. Enfim, os Freitas estão aí, sempre escondendo o que realmente sentem, sempre calando o que todos querem ouvir.

Não esperem deles o toque de atacar, e muito menos algo incomum. Enfim, são apenas os Freitas, pessoas normais, extremamente normais. Se eles comungam, você não perceberá. E se não, você também não perceberá. Os Freitas são invisíveis.

Também não se reúnem em data marcada. Os Freitas são incapazes de marcar uma festa de família ou uma data especial. Não porque não gostem de se encontrar. Não, muito pelo contrário. Na verdade apenas tem medo de que os outros digam que não, apenas isso.

Amantes do lar, os Freitas criam seus filhos. Educação sempre esteve em primeiro lugar, afinal os Freitas acreditam na cultura e alguns, em momentos de sumo segredo, até escrevem poemas.

Sim, os Freitas caminham para o futuro, com seus segredos e suas poucas palavras, com suas cabeças baixas e seu orgulho de ferro. Eles não esperam muito do destino, isso fica para os sonhadores, não para eles. Sim, os Freitas crêem que são pessoas normais. A felicidade, meu amigo, é coisa de cinema, não é coisa que acontece todo dia, tanto mais aqui, e muito menos conosco. Afinal, pagamos impostos, economizamos dinheiro, casamos e temos filhos, somos normais. A felicidade, isso é coisa de novela, não nos faz diferença. Somos os Freitas, que mais podem esperar de nós?

* Escrito na cidade de Valencia, Espanha, em 16 de abril de 1999, primavera.

domingo, setembro 25, 2005

Lembrança do amor antigo




Oh! deuses miseráveis da vida,
por que nos obrigais
ao incessante
assassínio de nós mesmos,
E a esse interminável
desperdício de ternuras?

Rubem Braga,
em “A navegação da casa”,
Paris, abril de 1950.



Domingo é o dia que me acontece as coisas mais absurdas e os pensamentos mais tristes me visitam. Pois grande surpresa para mim foi receber a chamada da terra distante e era você. Você que por tanto tempo habitou meu coração, meus sonhos de felicidade, minha vida. E como foi bom falar com você, sorrir das coisas do dia a dia, ouvir tua voz dizendo meu nome. Saber que você está feliz, depois de tantas peças do destino, e que até hoje sonha comigo, me encheu de boba felicidade.

O tempo nos encheu de maturidade e de lembranças agradáveis. O amor antigo não busca lembrar as frases duras, os gestos bruscos, as palavras que nunca foram ditas, as dolorosas lágrimas da separação sem sentido. Tanta coisa já passou que o eterno ciúme, sentido sempre nos víamos em outras companhias, já não existe mais. Você sabe mais de mim que qualquer outra pessoa. É capaz de ler meus pensamentos até quando eles inexistem. Compreende minhas dores mais escondidas, reconhece a cor de minha alma em lugares sem luz, é capaz de captar minhas mensagens mesmo estando a léguas e léguas de distancia.

E foram tantas lembranças boas, tanta alegria de estarmos de bem com a vida, que os anos passaram em minutos. Nossas brigas, teu medo de casar, a jóia que te dei, a biblioteca de tua casa, meu quarto... Algumas pessoas estão definitivamente em nossos sentidos que o simples ato de falar nos enche o nariz com um odor conhecido.

Como meus dias passavam rápido. Tua presença era um alento e ao mesmo tempo uma aflição. O eterno medo de te perder, quando na verdade nunca fostes minha. A admiração que’u tinha pela tua doçura e inocência, que quase virou a missão de proteger-te. Nada merece ser protegido se não quer ser protegido. A vida segue seu rumo e de nada vai adiantar dizer alguma coisa para quem não quer escutar. Necessário mesmo é viver para perceber as pérolas que jogamos no lixo, iludidos que logo logo encontraremos uma mina de diamantes. As pérolas, assim como as grandes estórias de amor, são únicas e não necessitam de final feliz para serem lindas estórias de amor.

Como se pode aprender sobre a vida, meu Deus, amando apenas uma mulher na vida. Eu vejo o menino que fui, parado na tua porta, com o coração cheio de ternura e os olhos cheios de lágrimas. Acho que foi a primeira vez que chorei por amor.

Tua chamada encheu de carinho o meu domingo vazio. Recarregou minhas baterias de esperança na felicidade. Lembrou-me as coisas que nunca esqueci, sobre quem sou, quais são meus ideais, fez-me reafirmar meu compromisso com a felicidade, minha busca por um milagre.

Agora penso que posso compreender melhor as coisas. Posso entender com terna perfeição quando o Chico canta que “futuros amantes quiçá se amarão sem saber, com o amor que um dia deixei pra você”.

* Escrito na cidade de Valencia, Espanha, em 18 de julho de 1999, verão.

quinta-feira, setembro 15, 2005

Que chega ao fim




No it's not like any other love
This one is different - because it's us

Hand in Glove,
THE SMITHS, 1984

Então você disse adeus... e se foi. Mas não se foi de uma vez, você continuou por aqui, de alguma maneira continuou por aqui e o jardim virou um deserto. De repente despertei, assustando e só, de um sonho lindo. Não havia mais teu cheiro e minha casa se transformou num hangar enorme e vazio. As horas custavam a passar, eu não conseguia escrever uma palavra e tuas mensagens no meu celular se fizeram cada dia menos e menos e menos, até desaparecer de vez.

- No me gusta que me tomen el pelo. Sim, mas se pudesse ver teu diário, que pensaría eu? Continuaría aqui? Aguentaría todas as tuas dúvidas? Sentiría tanta saudade tua? Ou talvez te dissese o mesmo que você me disse? Ou talvez não seria possível ver que eu apenas descarregava meu rancor .... por te haver perdido?

Não posso haver perdido o que nunca tive. Disso estou seguro. E as nossas noites de amor, quando te penetrava junto à janela da sala, com todo aquele vento que entrava, com todo meu desejo que saía e entrava por entre tuas pernas abertas, tua boca ofegante gritanto e acordando todos meus vizinhos... quanto te quis nestas noites de amor sem preocupação, nas nossas noites de amor em paz... Ríamos de tudo, nada era sagrado, e escolhíamos juntos o sabor das nossas comidas, do nosso sorvete.

Depois veio o amor, que já estava presente, calado e terrível. Teu sorriso me acompanhava com uma força capaz de iluminar toda a cidade de Madrid. Depois veio a dor, cortante e fria, removendo nossos estômagos e agitando nossos pensamentos. Depois veio nossa última noite, aquele restaurante novo, a jóia com meu nome que te dei, minhas palavras de te guardar pra sempre dentro de mim.... tuas lágrimas, tuas palavras de amor. E lembro tua carinha dizendo fica comigo, fica comigo...

E veio a angústia e a tormenta. Nossas vidas seguiam rumos distintos e tua lembrança foi mais forte que tua ausência. É claro que eu tentei te esquecer, te apagar da minha vida e seguir com minha mentira, com minha vida normal e sem alegria. Mas você estava demasiado presente pra te esquecer, e é claro que não pude seguir sem tua alegria, sem tua luz que me fazia ver o que de verdade era viver em paz. E é por isso que me doi tanto quando hoje você me diz que busca longe de mim a tua tranquilidade.

Sim, mandei tudo aos ares e voltei pros teus braços, voltei pro cheiro de mulher bonita, voltei pro meu sonho de felicidade e de amor em paz. O teu convite de amor era demasiado bom para esquecer. E Deus ainda estava comigo.

Mas, de alguma maneira, algo já havia mudado. Teus braços estavam ao redor de mim, mas teu sorriso havia desaparecido. Tua alegria já havia ido embora.... e eu sentia tua dor, sentia tua falta de felicidade, tua falta de perdão e todo, mas todo mesmo, todo teu rancor. Jamais me perdoara por haver te deixado pela minha palavra dada, jamais me perdoara por não haver confiado no teu amor. Jamais me perdoara por não haver feito o que você nunca fez comigo, que era somente pegar minha mão e não deixá-la nunca mais.

E os dias de sol foram cobertos de nuvens de chuva e os raios caíram sobre o jardim que uma vez foi verde e feliz. Cada dia eu notava tuas, dúvidas crescendo dentre de tí, cada dia menos alegria e esperança. O amor novo agora era velho, a ilusão eterna agora era angústia, e teu coração procurava por novos campos onde pudesse correr livre, sem o peso dos meus desejos.

Qualquer desculpa serviria para dizer-me adeus, e como sou, não te foi difícil encontrar uma. Foi horrível saber da tua decisão, como poderia viver sem mim? Sem nossa casa? Sem nossos sonhos? Mas você conseguiu, assim de fácil. Você disse adeus e se foi.

E passaram os dias, as noites era eternas neste sofá vazio onde tantas noites dormimos lado a lado, dividindo o pouco ou quase nada de conforto que havia. Nada me fazia entender como você havia conseguido ser tão prática. E pensei que era a dor que havias sentido no passado que te havia ensinado a temer o presente, mas ainda não entendia como conseguias passar tantos dias sem falar comigo, sem beijar-me, sem sentir o cheiro do teu homem... se eu morria no final de cada dia sem ti.

Mas você conseguiu. E o tempo passou, não sem antes você regressar somente para buscar tuas coisas, depois daquela noite que gritei de dor na porta de tua casa ausente de tí. É tão engraçado perceber agora que são os detalhes bobos que fazem a nossa vida, que criam nossas lembranças.

Bem, agora a dor passou. Ou de alguma maneira me acostumei com ela. E já não sou tão infeliz por não te ter aqui, junto a mim. Não que tua lembraça tenha se apagado de mim, mas as dificuldades que superaríamos juntos, agora são muros enormes rodeados por fossas intransponíveis de água e o mundo, que uma vez decidimos enfrentar juntos, se tornou um inimigo invencível e aliado do tempo. Tuas palavras mais duras me fizeram entender que a mulher que eu amei somente esperava uma novidade, não a eternidade. Teu silêncio me fez entender que já não valia a pena ter esperança num futuro a dois contigo, que nada seria o mesmo... será melhor pra mim, será melhor pra você, porque nada será o mesmo, nunca mais.

Ainda sou o teu maior fã e admirador e estaria mentindo se não te dissesse que ainda te amo com um amor tão desinteressado e original, desse tipo de amor que a gente só espera que venha dos nossos pais. Foi em você que minha alma chegou em casa, e disso eu não vou esquecer.

Então eu olho fixamente para uma estrela no céu de Valencia, ela brilha com uma luz branca e fría, e de repente uma lágrima escorre por esse mesmo céu, numa noite de verão que chega ao fim.... que chega ao fim.

* Escrito na cidade de Valencia, Espanha, em 11 de setembro de 2002

sexta-feira, setembro 02, 2005

Sentir-se pequeno?


Leão, de 23/07 a 22/08
Regente: Sol
Hoje você poderá se sentir
emocionalmente um tanto frágil,
e ficar tentado a embarcar
numa canoa de ficar retraído
ou um tanto nervoso.
Suas tentativas para se distrair
podem dar errado
e acabar por aborrecê-lo.
Tenha paciência:
este é um astral super rápido!



Algumas vezes em minha vida me senti pequeno. Tão pequeno que caberia no bolso de qualquer uma. Era uma sensação terrível. De repente o sangue gelava, minha garganta secava e pronto, lá estava eu me sentindo pequeno. As situações eram as mais diversas. Recordo bastante bem quando a filha de nossa vizinha, uma menina que’u não gostava, escolheu o garoto da outra rua pra namorar. Apesar de não achá-la bonita e de tampouco querê-la, me senti pequeno, muito pequeno. Pior do que perder algo que você deseja, é perder algo que você nunca quis, mas deu a impressão de que não acharia tão ruim possuir.

Depois aconteceu de novo, não me lembro muito bem quando e onde, mas a sensação de sentir-se pequeno aconteceu de novo. Às vezes é uma palavra, uma frase curta que alguém diz e você cai por terra. Não que a pessoa esteja certa, muito pelo contrario.

Acontece também quando falta luz e toda a cidade fica às escuras. Mas a sensação de sentir-se pequeno sempre invade minha alma no final do dia, naquela hora em que o sol está se pondo e não sabemos ao certo se é dia ou noite. Naquela hora de voltar pra casa, com a sensação de que mais um dia terminou e você não sabe exatamente o quê está fazendo, e sempre nestas horas toca uma maldita e linda musica triste, música de final de dia. Meu Deus, nestas horas, como me sinto pequeno.

E sentir-se pequeno não é somente uma constatação, é ter medo sem ter motivo algum aparente. É ter vontade de chorar sem porquê. É ver as coisas do mundo e não poder fazer nada para melhorá-las ou consertá-las. É querer voltar no tempo para uma outra cidade para poder encontrar alguém muito antes de conhecê-la. É sentir seu próprio coração chorar e limpar as invisíveis lágrimas do rosto e lembrar da alegria que você sentia quando seu pai chegava para te buscar no jardim de infância.

Algumas pessoas jamais entenderão, outras não precisam nem tentar entender. Estão demasiado ocupadas, vivendo a difícil arte de não se importar com muita coisa. Não, realmente não sou uma boa companhia nestas horas. Principalmente porque sinto ter muita coisa dentro de mim, muitas sensações e sabores que jamais saberei explicar. As pessoas, assim como as crianças, passam muito tempo brincando, mas todas elas somente esperam por um colo quentinho e um pouco de carinho, nada mais.

Às vezes me sinto pequeno, tão pequeno como uma criança, tão inseguro como só eu costumo ficar, penso eu. E me lembro de todas as coisas que perdi, algumas importantes, outras nem tanto. Mas ambas eram minhas e eu as perdi.

O dia termina, a noite vem e as pessoas seguem seu caminho. Nada realmente importa, nada é realmente sagrado, nada realmente é especial pra ninguém. Como fugimos de nós mesmos... de nossos medos, de nossa própria dor. Haverá resposta para tantas perguntas? Sinceramente não sei, e penso que jamais saberei.

Quanto a mim? Estou buscando um milagre. Não sei onde, não sei quando e muito menos porque, mas estou buscando um milagre. Talvez para estancar esta angústia que me corroe todo, talvez para nunca mais me sentir pequeno... ou talvez, somente para continuar por aqui.

* Escrito na cidade de Valencia, Espanha, em agosto (verão) de 1999.

quinta-feira, agosto 25, 2005

O irmão pequeno


I grew up believing
God keeps His eye on us all
And He used to lean upon me
As I pledged allegiance to the wall

Lord I recall
My little town
Coming home after school
Flying my bike past the gates
Of the factories

My mom doing the laundry
Hanging our shirts
In the dirty breeze

And after it rains
There's a rainbow
And all of the colors are black

It's not that the colors aren't there
It's just imagination they lack
Everything's the same

My little down
Paul Simon & Art Garfunkel


Sim, também tenho um irmão. Talvez vocês, que nunca tiveram um irmão, não entendam o que é ter um irmão. E, ademais, menor. É muita responsabilidade. Às vezes é necessário quebrar a cara do filho da melhor vizinha de tua mãe para defender teu irmão da porrada injusta no futebol. Ou levantá-lo nos braços, se é muito pequeno mesmo, quando o porcaria de um cachorro está solto na rua a morder a todos. É o meu irmão mais novo e minha mãe não me perdoaria atitude menor.

Seu próprio nome foi idéia minha. Anos depois, quando nasceu sua primeira filha, ele me apanhou no escritório para irmos registrar seu nascimento. Eu tinha experiência em separar, divorciar, mas em registrar gente, nuca. Na hora de dizer o sobrenome da menina, ele me olhou com uma cara de “diz aí, tu es o mais velho”. Mas, ao final, tudo correu bem. E quantas vezes nós brigamos por cada besteira sem tamanho. Muitas vezes lhe machuquei também, como no terraço da casa da vizinha, quando brincávamos de deslizar na espuma de sabão e eu lhe derrubei, sem querer. Meus pais o levaram pro hospital e o coitado pegou três pontos na testa. Eu consigo ver tudo isso tão claro hoje. Como quando ganhamos nossas primeiras bicicletas em julho de 1977.

Depois ele foi estudar no meu colégio, fazia o primeiro ano do curso primário e me seguia par todos os lados. Sempre me fazendo prometer que o esperaria no final da aula, pra seguirmos juntos pro trabalho do papai, quem nos levaria pra casa. Recordo com meu melhor amigo no colégio o derrubou. De repente não havia ninguém na minha frente, a não ser aquele infeliz. É claro que quebrei a cara dele, por ter feito meu irmão pequeno chorar. Que mais eu podia fazer naquela idade?

E quantas vezes, nestas minhas idas pelo mundo, ele não cuidou da família em meu lugar, quantas vezes cumpriu a obrigação do irmão mais velho, tão ausente. É a minha segurança ao sair de casa, afinal, ele está por perto para cuidar de todos os nossos.

Meu irmão é também meu amigo, apesar de não saber tudo de mim. Sim, também não conto tudo ao meu irmão. Tenho amigos que me conhecem muito mais e melhor do que ele. Mas, no fundo, eu sei que ele me conhece muito, conhece quase todas as minhas lembranças de casa. Sabe da casa na árvore, no quintal enorme, que nunca construímos, sabe das brigas que tive com o papai, sabe do meu medo de sair de casa e morar fora quando não passei no vestibular, sabe da briga da mamãe com a tia Conceição, sabe da vergonha que passou nossos pais quando bebi todas naquela festa no sítio dos amigos do papai, sabe da foto que tenho na porta do meu guarda-roupa.

Meu irmão fez um curso na área de saúde, por isso, satisfez o desejo de minha mãe. Casou, teve filhos, satisfez outro desejo de nossa mãe. Fala menos que eu, pensa mais, se parece mais com vovô e papai do que eu. É mais Freitas do que eu. Talvez saiba a resposta que procuro todos os dias e, por ser tão Freitas, não me diz, não me fala. No fundo, ajudei-o a ser o que é, mas foi muito pouco, ele é dessas pessoas que já nascem com programação completa, já sabem o que fazer e do que gostar.

* Escrito na cidade de Valencia, Espanha, em maio (primavera) de 1999.

sexta-feira, agosto 12, 2005

Tinha que ser num domingo


Domingo eu quero ver
o domingo passar


Domingo,
Titãs.


Domingo é meu dia triste. É o dia que Deus não me perdoa nada. É o dia de pensar na vida, nas coisas boas e ruins do caminho até aqui, é dia de pensar em tudo. É o dia de comprar “El País” e buscar correndo a coluna do Antonio Muñoz Molina. Domingo é triste até para os Titãs, dá para imaginar? Domingo é dia de falar pouco e pensar muito. É dia de ligar pra casa e pedir benção ao pai e a mãe. É dia de chorar baixinho e ter saudade de você, e de me arrepender das coisas que falei sem querer.

E por que me dão as notícias mais tristes no domingo? As piores despedidas de minha vida sempre foram aos domingos... as piores caras me olharam... os mais tristes tchaus. Por que será que o teu adeus tinha que ser num domingo...Todo homem segue seu destino e dele não se pode fugir. Apesar de que, algumas vezes, dói muito não fugir, não abandonar tudo e correr no meio da multidão para impedir você de saltar da ponte, de cruzar a esquina, de viver e ser feliz, sem mim.

É como se o meu domingo falasse como aquela canção do Gil, “mistério sempre há de pintar por aí, não adianta nem me abandonar”. E vencido este domingo, é festa no meu coração. Duro é esperar até meia noite pela segunda-feira. Este ano meu aniversário não será num domingo, mas muito em breve ... e que mistérios me aguardam este domingo?

Também não sei porque, mas apenas no domingo não consigo falar nada. As palavras simplesmente fogem neste dia. E penso, penso, até chorar. Penso nas palavras que nunca disse, penso no tempo que fiquei sem saber onde ir ou quê fazer, quando perdi você, e na distancia existente entre os sonhos e a realidade.

Mas é tudo culpa do domingo. Amanhã esqueço, tenho certeza. Todos os pensamentos passeiam muito alegres pela cabeça do homem triste de domingo. Certo estava o Leminsky quando escreveu que “domingo é dia em que o seu problema pega dona problema e sai, com seus pequenos probleminhas, a passear pela cabeça na gente”.

Não, eu não quero mudar. Já estou super acostumado com meu domingo tal qual ele é. Só queria, pelo menos alguma vez, fosse diferente. E eu poderia ter um domingo normal, igual a todo mundo que vai comer caranguejo com a namorada, ao futebol com os amigos ou à missa, para acompanhara sogra. Mas não há jeito, meu domingo é sempre triste. Por isso me encanta tanto sair na segunda-feira e beber algo, não importando se os “pubs” estão vazios. Ninguém entende minha vitória sobre o domingo que passou.

Domingo é dia de ter medo, simplesmente por ter medo. É dia de não ligar a TV. Tampouco é dia de visitar alguém , pra isso existe o sábado. É dia de ver o tempo passar e dar um tempo, escutando música que fala da gente. Domingo, meu amigo, é dia de pensar que ela não rasgou as velhas fotografias e ainda reza por você, apesar de tudo que você fez, e, principalmente, apesar de tudo que você não fez.

Então ficarei quieto, com a luz apagada, com a música bem baixinha, só esperando este grande e indecifrável monstro chamado domingo arrastar seu enorme e pesado corpo, sair do meu caminho e o sol se lembrar de brilhar logo. Afinal, meu coração já teve muita dor por hoje e não esquecerei de você, assim tão fácil, eu sei.

* Escrito na cidade de Valencia, Espanha, em maio (primavera) de 1999.


segunda-feira, agosto 01, 2005

Eu que admiro loucos


O acaso vai me proteger
Enquanto eu andar distraído

Epitáfio,
Composição de João Ubaldo Viera
Gravada pelos Titãs.


Por que sempre ficar do lado “errado”? E tomar as posições mais “ridículas”? Apoiar os palestinos contra o Estado de Israel. Torcer pelos judeus contra o Estado Nazista. Apoiar os alemães orientais contra o estado Soviético. Apoiar Cuba contra os EUA e torcer pelo povo cubano contra a ditadura comunista. Sempre apoiando Davi contra Golias, sem que este, necessariamente, tenha que ganhar, sempre defendendo os perdedores. Mas somente enquanto durar a inferioridade, afinal, por trás de todo complexo de inferioridade há um de superioridade. Eu sei de todas as minhas palavras chocantes.

Para mim, Zinho é maior que todo o Centro Acadêmico eleito e os “pombas” da vida. E as palavras nunca ditas representam mais que todas as besteiras já faladas em noite de bebedeiras e “tonterias”. As ofensas, as pequenas invejas e o terrível desprezo pela pessoa humana é que me tiram do sério. É a mentira, os sentimentos mesquinhos, a falta de grandeza, de atitudes nobres, a mediocridade de falar somente sua própria língua, o comodismo protocolar e, principalmente, a falta de um coração nobre, faz com que eu tenha um tremendo desgosto por essas pessoas.

A covardia, o não correr com a bandeira nas mãos no meio da passeata, o medo da opinião dos outros, o não cantar a canção proibida bem alto, o “babão-de-interior” profissional, o homem-merda que tem medo de ser diferente dos demais, o idiota que nunca tem dúvidas, nunca se pergunta o porquê das coisas, a pessoa “normal”, aquela que tem medo do novo, da aventura, o camarada que somente sabe viver no seu mundinho cor-de-rosa que rotula todos os demais é que me enoja. Quiçá nunca se cheguem muito perto de mim, tais coisas ou pessoas.

É porque admiro os loucos, aqueles que vestem a camisa pelo avesso e no meio da festa começam a gritar palavras desconexas, aqueles que depois de muitos anos casados e vivendo sem paixão, dizem adeus às conveniências e arriscam tudo em começar de novo, aqueles que vivem a vida de verdade e sugam dela tudo o que podem sugar, com todas as suas forças.

Admiro aqueles que, independentemente do que dirão o filhos criados sem pai, vivem, vivem e com um sorriso na cara dizem não para o mundo e sim para a vida e sabem compreender a beleza das coisas simples.

Aquele que toma todas e fala as maiores barbaridades, depois pede desculpas e desmaia no meio do casamento idiota, para mim é divino. Sou muito assim. É correr o Iate Clube inteiro com dois de teus melhores amigos atrás só porque deu vontade. Ou no meio da festa na casa do melhor amigo de teu pai, botar o pau pra fora para a sobrinha órfã dele te tocar, com a maior cara de pau, e todo mundo te encontra. E, passar a mão no rabo do irmão do amigo do colégio somente por brincadeira e o cara dar o maior vexame, parecendo até que alguém duvidava que ele não tinha curtido. Aqueles que tem as respostas mais tolas para as perguntas mais óbvias, aqueles que simplesmente não estão nem aí para esta cambada de “mamones” maduros, quase prontos para cair na lama.

São cenas “ridículas” e que pra mim são pura lembrança, como eleger todos os anos as piores frases ditas como as melhores do ano. Ou o Conselho de Compadres, instituído como órgão supremo da turma. E depois da merda feita, se esconder na casa da Ana e do James pra fugir do olhar triste dos pais.

É ser demasiado Oswaldiano, é perder o amigo e não perder a piada. É buscar o inalienável direito a sorrir de si mesmo, como condição primeira para sorrir dos outros. É ser tremendamente Borginiano e não se levar, em qualquer hipótese, a sério. É a eterna busca da noite que nunca acaba, se recusar a envelhecer e se tornar sério e aborrecido. É pôr a gravata mais risível na audiência mais séria, para não falar da cueca do Piu-piu por debaixo do terno bacharel de anel e capelo.

Ou dizer na posse do Desembargador para ele fazer como disse Pink Floyd, “shine on crazy diamond” e no outro dia ele perguntar o nome do filósofo citado. É morrer de rir dos casais que acreditam no amor e na fidelidade eterna e chegar na reunião dos antigos alunos com tua namorada negra e linda, só para olhar a cara dos católicos de plantão.

Torço pela felicidade irrestrita daqueles que a cada dia querem aprender algo novo e nunca se cansam da aventura de viver, daquele tipo de gente que você é capaz de se lembrar que chora baixinho e dá gargalhada no meio da hipócrita sociedade, tirando o maior sarro da cara dos outros. Sou profundamente apaixonado pelas pessoas que vêem os sonhos como algo realizável, que tentam melhorar o mundo e se entregam por inteiro a emoções verdadeiras.

Detesto, do fundo do meu ser, as pessoas que não conseguem sorrir dos títulos acadêmicos e das faculdades de Direito, com seus professores incapazes de distinguir competência de tristeza, de falta de alegria, bem como os filhos de mães batalhadoras e feias, cheios de frases feitas e incapacidade para reconhecerem o belo da vida. Detesto as viúvas virgens e todas as pessoas que não compreendem que sem sexo bom e fácil a vida não pode existir , sadia e feliz. Não consigo suportar as pessoas que não “são loucas depois de todos estes anos”, como disse Paul Simon.

Bato palmas pro velho Professor Adélman que ao ser convidado para ministrar a aula da saudade de uma certa turma de formandos disse que isso era “coisa de viado”, e de tal produto o departamento tava cheio. Ninguém teve coragem de falar algo parecido antes dele. É ser totalmente Borginiano! Ou, como o pseudo intelectual de província que ao fazer uma pergunta ao pseudo intelectual da metrópole recebe como resposta um “tá louco ou não leu nada?” Ridículo.

Então o que estamos esperando? Se todos os velhos já disseram que se pudessem voltar no tempo arriscariam mais, seriam mais felizes, viveriam de verdade e não apenas sobreviveriam, só nos resta irmos para a vida, eternamente “ridículos”.

* Escrito na cidade de Valencia, Espanha, em junho (primavera) de 1999.

quinta-feira, julho 07, 2005

Pânico em Londres


LONDON

Smoke
Lingers 'round your fingers
Train
Heave on - to Euston
Do you think you've made
The right decision this time?
You left
Your tired family grieving
And you think they're sad because you're leaving
But did you see the jealousy in the eyes
Of the ones who had to stay behind?
And do you think you've made
The right decision this time?

You left
Your girlfriend on the platform
With this really ragged notion that you'll return
But she knows
That when he goes
He really goes
And do you think you've made
The right decision this time?

The Smiths,
Morrissey e Johnny Marr,
no disco Rank, 1988.


Que Londres estava ameaçada já sabíamos, mas que os terroristas iriam atacar justamente durante a festa pela sua escolha para sediar a Olimpíada de 2012, isso ninguém podia prever. Inclusive o próprio governo Blair já tinha anunciado que “a pergunta não é se haverá um atentado terrorista em Londres, mas quando acontecerá”. Em apenas 24 horas, Londres passou da alegria ao pânico, no momento em que todas as atenções estavam no norte, em Gleneagles, a quase 70 km de Edimburgo, na Escócia, na reunião do G-8.

O mundo despertou nesta manhã de 7 de julho de 2005 com a terrível notícia dos ataques terroristas ao metrô de Londres. De acordo com informações da Scotland Yard, pelos menos quatro explosões abalaram a linha do metrô londrino, matando quarenta pessoas e ferindo outras setecentas. Um ônibus turístico (double decker bus) voou pelos ares no centro da cidade, perto de Tavistock Place e Russel Square.

As estações de Aldgate, Liverpool Street (no coração da City, o centro financeiro de Londres), King’s Cross (próxima da Biblioteca Britânica), Moorgate (a poucas quadras de Liverpool Stret), Edqware Road (perto do Regent’s Park), foram as mais atingidas. As estações de Saint Pancras e Stratford foram evacuadas sem qualquer explosão.

Às oito e quarenta e nove da manhã de hoje, hora de Londres, uma explosão abalou um trem que seguia entre as estações de Liverpool Street e Aldgate, no meio da city. Naquela hora se falava em problema elétrico ou choque de trens. Em seguida foram ouvidas duas outras explosões, na mesma linha Hammesrsmith & City: uma entre King’s Cross e Russel Square e outra na estação Edgware Road.

O jornal alemão Der Spiegel, na versão de Internet, publicou que uma web islâmica anunciava que o grupo Al Qaeda reivindicava a autoria dos atentados de Londres. No texto, o grupo terrorista Organização Secreta do Grupo da Al Qaeda para a Organização da Jihad na Europa afirmava: “Em nome de Deus, clemente e misericordioso. A paz e a bênção para seu Profeta (Maomé), o Sorridente e o Lutador. Alegre-se, nação do Islã; alegre-se nação dos árabes. Chegou o momento para nos vingarmos do Governo britânico, cruzado e sionista pelos massacres que a Grã-Bretanha comete no Iraque e no Afeganistão. Os heróis mujahedins realizamos bendito ataque em Londres, e agora a Grã-Bretanha está em chamas devido ao temor e ao susto no norte, no sul, no leste e no oeste (da cidade)”. No final do comunicado alertam a Dinamarca e a Itália, “e todos os Governos cruzados”, que receberão o mesmo “castigo”, caso não retirem suas tropas do Iraque e do Afeganistão.

O Primeiro-Ministro Tony Blair respondeu, sem a verve de Churchill, mas com uma vaga lembrança: “É importante que os terroristas percebam a nossa determinação em defender nossos valores e nosso modo de vida. Não conseguirão nunca destruir o que valoramos neste país. Matam a gente inocente somente para impor seu extremismo ao mundo. Nunca conseguirão o objetivo de destruir o que nós amamos”.

Londres confirma o destino já seguido por Nova York, em 11 de setembro de 2001, e por Madri, em 11 de março de 2004. Os efeitos imediatos dos atentados são espalhar o terror e a aumentar a distância entre o Ocidente e o Oriente. Exatamente o que desejam os extremistas de ambos os lados, os mesmos que socavaram o papel da ONU e pregam alucinadamente a existência de uma guerra de civilizações. O século XXI começa sob o signo do medo, vivemos a “era do medo total”, nas palavras de Herman Tertsch.

Eu me lembro de uma noite de sábado em Londres, quando ainda não vivíamos na “era do medo” e os druidas protegiam a “pérfida Albion” das armadas espanholas e dos bombardeiros nazistas. O pub não estava cheio e três jovens senhoras conversavam animadamente no balcão, bebericando seus espumantes copos de Guinness. Os dois jovens senhores entraram no pub com suas camisas havaianas vermelha e azul, que mal se escondiam debaixo de seus casacos de couro preto. Estavam com espíritos de “fiesta”, afinal, era noite de sábado. Puseram-se ao lado das jovens senhoras no balcão e já engataram uma conversa mole sobre a musica que se ouvia naquela noite cheia de magia.

Não sei o que se passou, mas quando me retirava pro hotel, todo o bar dançava ao redor daquele grupo impossível de dois baixinhos em camisas havaianas e três jovens senhoras de vestidos decotados. Tudo aconteceu em questão de minutos. Vesti minha jaqueta, enrolei o cachecol no pescoço, ajeitei minha “gorra” de aposentado espanhol e senti no rosto toda a frieza daquela noite londrina quando abri a porta do pub. Desci a rua mal iluminada calmamente. Caminhando em direção ao hotel, enquanto acendia o último cigarro da noite. Ainda se podia sonhar. E eu sonhei.

* Ver neste blog A Era do Medo - abril de 2004 - e A insegurança do mundo - setembro de 2004

quinta-feira, junho 30, 2005

A nova família


La libertad de amar significa
que los Estados no tienen
para qué mezclarse
en los sentimientos y
emociones espirituales
de los humanos.

Luis Jiménez de Asuá,
em “Libertad de amar
y derecho de morir”, 1929.




A Declaração de Independência dos EUA, de 4 de julho de 1776, apesar de toda a carga de conservadorismo escravocrata, deu ao mundo uma esperança política sentimental de que cada pessoa possui o inalienável direito de buscar sua felicidade, ao afirmar: “Consideramos de per si evidentes as verdades seguintes: todos os homens são criaturas iguais; que são dotados pelo seu Criador com certos direitos inalienáveis; e que, entre estes, se encontram a vida, a liberdade e a busca da felicidade”.

A maneira pela qual os seres humanos buscam a felicidade, desde que não violem os direitos dos demais, compete exclusivamente a cada um. Aos demais cabe tão-somente respeitar as opções tomadas por alguns e, na medida da inteligência e da educação recebida, conviver com a diversidade social. Dentro da democracia, a busca da felicidade deve ocorrer dentro da tolerância e do respeito à diversidade. O casamento, a família, o número de filhos, o divórcio e a opção sexual são escolhas que devem ser tomadas por cada um, de maneira individual, ou em consonância com seu cônjuge, quando convém. Entretanto, tais possibilidades devem ser disponibilizadas pelo Estado.

Como afirmou José Antonio Martín Pallín, magistrado do Supremo Tribunal espanhol, “a diversidade abarca as inumeráveis facetas do ser humano. Seus sentimentos, crenças, ideais, suas inclinações emocionais e sua forma de exteriorizá-las através da sexualidade são absolutamente respeitáveis se de verdade se acredita que o homem está acima dos dogmas e imposições dos que compartem suas tendências. A tolerância é um sinal diferencial da capacidade racional do ser humano. O anátema, ou a desqualificação, é o produto dos instintos mais degradantes da pessoa”.

A família vem sofrendo profundas transformações desde o século XX, fruto da conquista de espaço pela mulher trabalhadora e da liberdade sexual, principalmente. As velhas famílias patriarcais tendem a desaparecer, até mesmo nos grotões mais esquecidos do nordeste brasileiro, dando vazão a novas estruturas familiares. Para o filósofo Fernando Savater, as mudanças na estrutura familiar provem sobretudo da “incorporação da mulher ao mercado de trabalho, das medidas de controle da natalidade, do divórcio e dos preços dos imóveis residenciais”. Esta nova família que desponta tem se destacado, nos grandes centro urbanos, como famílias “monoparentais”, ou seja, mães solteiras ou pais solteiros. Ademais de casais de homossexuais que desde os anos sessenta reivindicam a igualdade de direitos com os heterossexuais, inclusive o direito ao matrimônio civil.

Esta semana, Espanha e Canadá aprovaram o matrimônio civil de pessoas do mesmo sexo, vindo assim a juntar-se a Holanda e Bélgica, que, respectivamente, desde abril de 2001 e fevereiro de 2003, possuem a matéria legislada. Nestes países, matrimônio é a união civil de duas pessoas, sem importar o gênero. Outros países, como a Dinamarca, Alemanha, França, Noruega, Suécia e Portugal, possuem legislação para regulamentar a união estável homossexual, sem contudo mencionarem expressamente a palavra “matrimônio”.

No caso espanhol, país tradicionalmente católico, a luta pela igualdade dos direitos civis é uma conquista socialista. Além de instaurar legalmente a possibilidade de união homossexual, a Espanha reformou sua lei de divórcio, de 1981, para agilizar as separações, e permitiu a adoção de crianças por matrimônios homossexuais. Em reposta, a direita mais conservadora juntou-se com a Igreja católica, que aportou dezoito bispos, numa manifestação contra a ampliação dos direitos civis na Espanha.

A hipocrisia corre solta nos campos do conservadorismo. Afinal, depois de ser condenada a pagar milhões de dólares nos EUA, a título de indenização pelos abusos cometidos contra menores por seus clérigos, a Igreja católica protesta contra o fato de que um Estado laico amplie os direitos civis a uma significativa parcela de cidadãos que trabalham, pagam impostos e contribuem economicamente para a riqueza do país. Para estes ‘senhores’, é melhor que as crianças cresçam em orfanatos, privadas de carinho e cuidados necessários, que vivam em um ambiente individualizado e protetor, no qual suas necessidades básicas sejam supridas num ambiente familiar.

O ideal é que uma criança cresça numa família com um pai e uma mãe. Entretanto, diante da realidade das FEBEMs e dos orfanatos superlotados, não parece um abuso a adoção de órfãos por parte de um solteiro ou mesmo por uma nova família, formada por dois pais ou duas mães. Qualquer tipo de família é melhor que família nenhuma, desde que por família se entenda o porto seguro no caminho do amor e da proteção de uma criança.

quinta-feira, junho 23, 2005

O Pianista inglês


All these years I have been trying
to unearth what she was handing me with that look.
It seemed to be contempt.
So it appeared to me.
Now I think she was studying me.
She was na innocent, surprised at something in me.
I was behaving the way I usually behave in bars,
but this time with the wrong company.
I am a man who kept the codes of my behaviour separate.
I was forgetting she was younger than I.

Michael Ondaatje,
em "The English Patiente", p. 154.



Que o Império britânico foi uma grande civilização, ninguém tem a menor sombra de dúvida. Pais dos EUA e filhos da Europa, nas palavras do historiador britânico Timothy Garton Ash, os britânicos realmente possuem uma maneira muito, digamos, fleumática, de encarar o mundo. Agora, é pra partir-se de rir a mais nova invenção da imprensa popular britânica - formada por um grupo de tablóides sensacionalistas que adoram divulgar escândalos da família real e criar fantasias que preencham o vazio existente no imaginário de gordas donas de casa menopausicas, a que se renderam inclusive o prestigioso “The Times” e o não menos "The Guardian".

E não foi de outra forma que os tablóides britânicos encararam nos últimos meses a noticia da descoberta de um misterioso pianista amnésico, que sem dizer uma palavra, tornou-se o centro de todas as manchetes. Os britânicos lançaram-se no desafio de descobrir a verdadeira identidade do “Homem do piano”, como denominou a imprensa.

A polícia encontrou no passado mês de abril, numa estrada do litoral Sudeste da Inglaterra, na ilha de Scheppey, no condado de Kent, um jovem molhado, andando a esmo, padecendo de amnésia, totalmente mudo. O jovem, aparentando idade entre 20 e 30 anos, estava bem vestido, como se fosse a um concerto, com um elegante e caro terno negro, ensopado de água do mar. Seu terno teve as etiquetas arrancadas, bem como todas as demais etiquetas de suas roupas. Até mesmo a marca de seus sapatos foi raspada. Não há maneira de identificar-lhe.

O jovem permaneceu completamente mudo. Somente quando lhe foi dado papel e caneta, este desenhou um enorme piano de cauda. Como havia um piano no hospital, foi conduzido até o mesmo, passando horas e horas ao piano, tocando canções clássicas e populares, melancolicamente. Desta maneira, é através da música tocada no piano que jovem se comunica com o mundo. E continua assim, a tocar piano, internado no West Kent National Heath Service Trust... na seção psiquiátrica.

Acontece que seu silêncio despertou a curiosidade dos britânicos, que lutam entre futricas e pistas para desvendar o mistério do “Homem do piano”, que segundo especialistas, é uma verdadeira virtuose do instrumento, interpretando de Tchaikovsky a Beatles.

Alguns jornais disponibilizaram um numero de telefone para receber pistas sobre a identidade do “Homem do piano”. Mais de mil pessoas já ligaram dando possíveis informações sobre o misterioso pianista inglês, que continua sob investigação. Até agora, as pistas não deram em nada. Ele já foi confundido com um roqueiro tcheco atacado por doenças mentais, depois de descartada a pista de que era um músico andarilho francês que trabalhou nas ruas de Roma.

O cinema já se interessou pelo caso deste jovem amnésico músico, que segundo os médicos sofreu “um colapso nervoso que comprometeu sua memória e sua capacidade de comunicação”. A estória realmente se parece muito com o enredo do filme “Shine - Brilhante”, que conta a vida do pianista australiano David Helfgott, que depois de um colapso nervoso, superou sua profunda perturbação psicológica e retornou a tocar. O filme valeu um Oscar ao ator Geoffrey Rush pela interpretação do pianista australiano mentalmente perturbado, em 1996.

Por outro lado, o caso do “Homem do piano” lembrou-me o enredo do filme “O Paciente Inglês”, (The english patient, EUA, 1996), Oscar de melhor filme, também, em 1996. Não pelo piano em si, mas pelo fato de que em ambas as estórias seus personagens perdem a memória, ou dizem que a perderam. E se entrelaçam entre mistérios e lembranças de um passado que já não podem voltar, apesar de todo o esforço para reavivá-lo. Os fragmentos da memória são peças frágeis no vendaval da vida.

Como tudo na vida não é exatamente como se apresenta - basta lembrar que Os Três Mosqueteiros eram na verdade quatro - “O Paciente inglês” na verdade era o conde húngaro Lazslo de Alamsy, interpretado por Ralph Fiennes, um homem moribundo vitima de um acidente aéreo e da morte do seu grande amor, Katharine Clifton, interpretada por Kristin Scott Thomas, casada com um colega da Real Sociedade Geográfica inglesa. O livro “O Paciente inglês”, que inspirou o filme, foi escrito por Michael Ondaatje.

Bem que poderia aparecer, também, uma enfermeira canadense de nome Hana , linda como Juliette Binoche, pra cuidar do “Homem do piano”. A vida imita a arte ou a Arte imita a vida? Quem vai saber...